'13 Reasons Why' está ligado a aumento de suicídios entre jovens nos EUA, diz estudo do governo americano
Um novo
estudo concluiu que a série 13 Reasons Why está associada ao aumento de 28,9%
nos índices de suicídio entre crianças e adolescentes nos Estados Unidos em
abril de 2017, o mês seguinte à estreia do programa do Netflix.
A
pesquisa foi realizada em conjunto por diversas universidades e hospitais dos
Estados Unidos e o Instituto Nacional de Saúde Mental (INSM) e levou em conta
as tendências de variação nas taxas de suicídio no país.
A INSM é
uma das instituições que compõem a agência Institutos Nacionais de Saúde,
ligada ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos do governo americano e a
principal responsável na administração federal por pesquisas nas áreas de saúde
e biomedicina.
O estudo,
publicado no periódico científico Journal of the American Academy of Child and
Adolescent Psychiatry, mostrou que o número de mortes por suicídio em abril de
2017 superou o registrado em qualquer outro mês durante o período de cinco anos
analisado pelos pesquisadores.
Ao
individualizar os índices de acordo com o sexo da vítima, foi notado um aumento
significativo entre homens jovens no mês seguinte à estreia. Houve um
crescimento entre o sexo feminino, mas ele foi considerado estatisticamente
insignificante.
"Os
resultados devem servir de alerta de que os jovens são especialmente sensíveis
ao que é exibido pela mídia", disse Lisa Horowitz, cientista do INMS e
autora do estudo.
"Todos
os profissionais, inclusive da mídia, devem se preocupar em serem construtivos
e cuidadosos ao lidar com temas relacionados a crises de saúde pública."
À BBC
News Brasil, a Netflix disse estar analisando os resultados do estudo. "É
um tema de extrema importância e temos trabalhado muito para assegurar que
estamos lidando de maneira responsável com essa questão sensível",
informou a empresa em nota.
Segundo a
companhia, o estudo contradiz outro realizado pela Universidade da Pensilvânia
e divulgado na semana passada. De acordo com a pesquisa em questão, estudantes
que assistiram a toda a segunda temporada da série estavam menos propensos a
considerar o suicídio (saiba mais abaixo).
Suicídio é a terceira maior causa de
morte entre jovens americanos
A
primeira temporada de 13 Reasons Why foi ao ar em 31 de março de 2017. Ela
conta a história de uma adolescente que se mata e deixa 13 gravações que
explicam os motivos pelos quais ela decidiu fazer isso.
A segunda
temporada foi lançada em maio de 2018, e uma terceira está em produção.
O
programa foi bem recebido pela crítica e celebrado por promover uma
conscientização sobre questões que afetam os jovens, como estupro, bullying e
autoflagelação. Mas também gerou um debate em torno da forma como retratou o
suicídio - por glamourizá-lo e dar muitos detalhes de como sua protagonista se
matou - e os efeitos disso sobre o público jovem.
O
suicídio é a terceira maior causa de morte entre jovens americanos com idades
entre 10 e 24 anos. São registrados cerca de 4,6 mil casos por ano, de acordo
com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), principalmente entre
vítima dos sexo masculino.
Suicídio
é mais comum entre jovens do sexo masculino nos EUA — Foto: Pixabay
Um outro
estudo recente, realizado por pesquisadores da Áustria, da Bélgica e dos
Estados Unidos, concluiu que, entre estudantes que assistiram a toda a segunda
temporada, relatos de que pensavam em infligir ferimentos em si próprios ou se
matar eram menos frequentes. Os cientistas concluíram que isso se deu porque o
assunto era tratado abertamente pelos personagens do programa.
Ao mesmo
tempo, estudantes que pararam de assistir a temporada no meio eram menos
otimistas quanto a seu futuro e tinham mais chances de cometer suicídio.
Os
pesquisadores dizem que isso ilustra como série pode ter simultaneamente
efeitos positivos e negativos sobre os expectadores.
Como foi feito o novo estudo
Para
compreender melhor esta influência, os pesquisadores americanos analisaram
dados mensais e anuais de mortes por suicídio do CDC, uma agência do governo
federal americano, entre 1º de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2017. As
vítimas tinham entre 10 e 64 anos.
O
objetivo era verificar se os índices no período após o lançamento da série eram
superiores ao que se esperaria com base nos registros e tendências observados
anteriormente.
Os
cientistas concluíram que as taxas na faixa etária entre 10 e 17 anos foram
significativamente maiores nos meses de abril, junho e dezembro de 2017 em
relação às expectativas baseadas em dados passados.
Houve 195
mortes por suicídios acima das previsões entre 1º de abril e dezembro daquele
ano. A taxa em março, mês anterior à estreia de 13 Reasons Why, também ficou
acima do esperado. Os pesquisadores destacaram que houve uma grande campanha
prévia ao lançamento do programa naquele mês.
O mesmo
não foi identificado nas taxas de suicídio entre pessoas com idades entre 18 e
64 anos.
Para
servir de base de comparação, os pesquisadores analisaram as mortes por
homicídios no mesmo período, a fim de verificar se outros eventos sociais ou
ambientais após o lançamento da série poderiam ter influenciado as taxas de
suicídio.
No
entanto, o estudo tem limitações. Foi identificada uma correlação entre o
aumento dos índices e a estreia do programa, mas não foi possível dizer que a
série está por trás deste aumento. Os cientistas dizem ainda que outros eventos
e fatores podem ter influenciado este fenômeno.
Estudos
já mostraram que fatores ambientais e sociais costumam ter os mesmos efeitos
sobre as taxas de homicídio e de suicídio. Mas não foi identificada nenhuma
alteração significativa no período, o que reforça a conclusão de que o programa
do Netflix teve influência sobre o aumento dos índices de suicídio, de acordo
com os cientistas.
A nova
pesquisa reforça a percepção de organizações de saúde de que o comportamento de
jovens pode ser afetado pela forma como o suicídio é retratado pela mídia, o
que levou entidades como a ONG Aliança Nacional de Ação pela Prevenção de
Suicídio e a Organização Mundial de Saúde a elaborarem recomendações de como
filmes, séries e outros tipos de entretenimento devem lidar com o tema.
Em sua
segunda temporada, 13 Reasons Why passou a incluir uma mensagem de alerta antes
de cada episódio em que seu elenco diz que o programa pode não ser adequado
para pessoas que enfrentem questões como abuso sexual, vício em drogas e
suicídio.
Fonte:
G1/Ciência e saúde.