60 anos do IQ-Ar: docência e pesquisa, um testemunho dedicação e afeto

 




*Vanderlan da Silva Bolzani

Quando cheguei em Araraquara, em 1978, para ministrar aulas, primeiro na Faculdade de Ciências Farmacêuticas por um curto período, depois no Instituto de Química da Unesp, não imaginava que a Universidade e a cidade seriam vitais para a minha vida nos quarenta anos seguintes.

Vistos em retrospecto, os quarenta anos passaram rápido, uma caminhada veloz onde o tempo se fraciona nas inúmeras ocupações da vida acadêmica que é pura paixão! Alguns momentos difíceis e desafiantes, outros nem tanto, mas todos motivados pelo fascínio da profissão, carregado de emoção pelo cotidiano com os jovens estudantes e colegas e amigos tão especiais. Entre todos, a pesquisa que busca um olhar inovador sobre a química, uma ciência central e pelos produtos naturais das plantas, uma área de pesquisa vital no mundo atual. Neste campo, nós brasileiros temos todo um horizonte a desvendar. Nada mais estimulante do que formular perguntas que só serão respondidas pelas novas gerações de pesquisadores.

Foi um trajeto nem sempre retilíneo e tranquilo, do qual sobrevivem na memória principalmente as coisas boas, como as ricas trocas de experiências profissionais, o aprendizado contínuo e uma rede de amigos construída ao longo de centenas de teses acadêmicas e projetos, conferências em eventos nacionais e internacionais e em especial ser parte da criação do Programa Biota FAPESP e está colaborando com esta iniciativa maravilhosa até hoje. Um saldo altamente positivo que guarda um toque de “aventura” para a jovem vinda de João Pessoa, formada em Farmácia e Bioquímica pela UFPB, que olhava com certo receio a cidade do interior de São Paulo. Este era um itinerário fora dos padrões da época pois São Paulo e Rio de Janeiro seriam os destinos normais de quem vinha de outros estados, em busca de uma carreira acadêmica.

Que mudanças importantes devem ser ressaltadas neste texto durante esse período? Difícil avaliar em que medida a trajetória da Unesp, do IQ em particular, e de Araraquara tem traços peculiares, diferentes de outras cidades brasileiras, ou paulistas. As instituições e a cidade têm em comum, sem dúvida, o fato de serem jovens, na perspectiva do processo histórico e social brasileiro. Afinal, Araraquara, fincada   estrategicamente no centro do Estado, herdeira da riqueza do café e hoje cercada de canaviais, comemora em 2021 apenas 204 anos, o que perfaz algo em torno de três gerações.

Como era de se esperar, a cidade ganhou uma população mais heterogênea, mais cosmopolita, em um processo para o qual contribuiu, com certeza, a UNESP, com suas sucessivas gerações de jovens que chegam a cada ano, trazendo diversidade e energia irradiante. Muitos dos que vieram para a Universidade, como eu, criaram raízes, e ajudaram a moldar o perfil da cidade. Integraram-se a uma classe média afluente que partilha a riqueza do interior paulista, neste caso matizada pelo cheiro de laranja, Citrus sinensis L. planta da família das Rutáceas que a agroindústria local produz em grande escala, pura química de produtos naturais.   Araraquara e o IQAr atraíram esta nordestina e muitos outros e ajudaram a formar profissionais qualificados, vindos de diversos pontos do Brasil e de outros países. Um exemplo próximo de nós é o sr. Gehard Assanger, austríaco e sua esposa Vanda Bandelli, onde muitas vezes almoçamos comidinha caseira regada a simpatia e afeto, em seu restaurante, há um quarteirão do IQAr.

Amparada pela estrutura de apoio do Estado, a UNESP evoluiu e o Instituto de Química consolidou-se como um polo gerador de profissionais requisitados pelas universidades, institutos de pesquisa e indústrias. Ao criar grupos de excelência na pesquisa, a pós-graduação do IQ-Ar, detentor da nota 7 na classificação da Capes, assegurou seu lugar no cenário científico internacional.

A caminhada pessoal, construída no Instituto de Química, encontra em algum momento a vida oficial da cidade. Em 2013, a Câmara dos Vereadores de Araraquara me concedeu o título de Cidadã Araraquarense, uma honra que a filha adotada guarda com imenso carinho no coração, mente e razão e que aflora cheia de emoções.

Entre os motivos que justificaram tal homenagem está a iniciativa do grupo de pesquisadores do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofiosologia de Produtos Naturais NuBBE, Depto de Química Orgânica, hoje ampliado para Departamento de Bioquímica e Química Orgânica que ganhou relevância efetiva como contribuição para a pesquisa em produtos naturais e em química medicinal. O trabalho de tantos anos resultou numa base de dados que oferece informações sobre propriedades e características de substâncias naturais e que recebe consultas de cientistas dos cinco continentes.

Pelas salas do IQ-Ar passaram nesses quarenta anos centenas de estudantes de pós-graduação que hoje têm papel fundamental na formação de discentes e docentes em diversos estados do país.

Mesmo exibindo as carências frequentes que perpassam todo tecido social do país, Araraquara tem conseguido fazer a ponte entre o passado e o futuro de forma a permitir que pelo menos parte de seus jovens possa sonhar. Os que chegam agora, para estudar ou trabalhar, encontram uma cidade aparelhada para dialogar com um mundo em intensa transformação. Parabéns, Araraquara pelos 204 anos. Parabéns, Instituto de Química pelos 60 anos!

*Vanderlan da Silva Bolzani, Professora Titular do IQAr, Presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo – ACIESP, Membro da ABC, do Conselho Superior FAPESP, SBOPC e Coordenação de Química da TWAS.