O coronavírus pode levar o mundo a outra “pandemia”: o aumento da fome



coronavírus devastou o mundo em um cenário em que os países do globo já sofriam com problemas socioeconômicos graves, como o aumento da desigualdade e da pobreza. E a fome, que já avançava nos últimos anos, deve bater infelizes recordes em 2020 em meio ao cenário de guerra gerado pela pandemia.
O número de pessoas com fome deve mais que dobrar no mundo até o fim do ano, segundo números do World Food Programme (ou WFP na sigla em inglês), a linha de frente no combate à fome na Organização das Nações Unidas (ONU). Era um objetivo da ONU ter fome zero no mundo até 2030 — o que a organização reconhece que se torna um horizonte cada vez mais distante se medidas não forem tomadas em conjunto pelos países.
A WFP estima que 270 milhões de pessoas podem passar fome nos países em que opera, isto é, de fato não ter o que comer. Há ainda as mais de 800 milhões que sofrem de segurança alimentar, tendo a próxima refeição incerta.
O número de pessoas com fome estimado para 2020 pela ONU é quase 90% maior do que as projeções antes da pandemia, que já estavam entre as piores da história.
O programa alimentar da ONU deve ajudar financeiramente 138 milhões de pessoas no mundo, após já ter tido um recorde de 97 milhões de pessoas auxiliadas em 2019. O coronavírus devastou o mundo em um cenário em que os países do globo já sofriam insegurança alimentar recorde.
O Brasil é um país privilegiado quando o assunto é produção de alimentos. Com a alcunha de “celeiro do mundo”, está entre os sete no mundo que respondem por mais da metade da produção global de alimentos.
Mas a discussão sobre as cadeias globais de alimentos ganhou os debates nacionais nas últimas semanas em meio à alta no preço dos alimentos. E o Brasil e a América Latina, embora privilegiados na cadeia de produção global, não deixam de estar inseridos nos desafios alimentares trazidos pela covid-19.
No Mapa da Fome da ONU, elaborado antes da pandemia, o Brasil está em bons patamares: menos de 2,5% da população está em situação de subnutrição, no período entre 2017 e 2019, os dados mais recentes. É o melhor grupo do mapa, similar ao de países da Europa Ocidental e da América do Norte.
Essa taxa no Brasil era de 10% no período entre 2000 e 2002. O Brasil saiu do mapa da fome oficialmente em 2014, e o avanço, segundo a ONU, aconteceu em parte devido ao crescimento da renda dos 20% mais pobres no país.
Oficialmente “entram” no Mapa da Fome os países com mais de 5% da população em subnutrição. Esse ainda é o caso de outros vizinhos da América do Sul. Os piores casos são Venezuela e Bolívia, com entre 15% e 35% da população em subnutrição — situação similar ao de alguns países da África.
Mas a situação alimentar tem ficado problemática para todos os países do mundo, e afetando sobretudo as populações mais pobres. Em maio, já durante a pandemia, o economista Daniel Balaban, chefe do escritório brasileiro do WFP, disse que o Brasil caminha para voltar ao Mapa da Fome.
O Brasil já tem mais de 9 milhões de pessoas em extrema pobreza, e mais pessoas devem ser incluídas nessa condição devido aos efeitos econômicos da pandemia, segundo o Banco Mundial. “O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, mas está caminhando a passos largos para voltar”, disse Balaban em entrevista ao Estado de S.Paulo.
Além da crise econômica na pandemia, o aumento da demanda global pelos alimentos e os problemas logísticos tornam o cenário ainda mais difícil — mesmo para os países produtores, como se vê em meio à alta dos preços no Brasil. Os preços dos cereais, que inclui o arroz, estão acima do índice de preços global desde março, quando a pandemia começou, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês).
Em comunicado em junho, o WFP cita que esse aumento da fome e a conjuntura prejudicial de fatores socioeconômicos ocorreu mesmo “nas regiões do mundo que tinham previamente escapado de níveis severos de insegurança alimentar”. “A crise se desdobra em um momento em que o número de pessoas em situação severa de insegurança alimentar no mundo já tinha crescido 70% nos últimos quatro anos, em virtude dos efeitos das mudanças climáticas, conflitos e choques socioeconômicos”, escreveu a organização.

Fonte:EXAME