Combustível caro e pandemia dificultam trabalho de motoristas de aplicativo

 



A forte alta no preço dos combustíveis nos últimos meses tem afetado especialmente motoristas de aplicativo. Além disso, as restrições causadas pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19) derrubaram o número de viagens e deixaram a situação ainda mais difícil. Muitos, inclusive, têm desistido da profissão por conta do alto custo.

É o caso de Tiago Luiz Miranda de Freitas, de 31 anos. Casado e pai de duas crianças, de 3 e 6 anos, ele começou a trabalhar como motorista de aplicativo após ser demitido da Denso, multinacional de Santa Bárbara d’Oeste, onde trabalhou como assistente de recursos humanos por um ano e seis meses, até outubro de 2019.

Ele já trabalhava como motorista de aplicativo desde julho daquele ano, mas apenas aos finais de semana e como uma forma de complementar a renda familiar.

Tiago conseguiu emprego em São Carlos e deixou a vida de motorista – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Depois da demissão, no entanto, as corridas passaram a ser a única fonte de sustento da família, mas o alto custo representado pelo preço dos combustíveis começou a comprometer a sua margem de lucro.

“Eu abandonei pelo alto preço de combustível, sem aumento das tarifas [por parte do aplicativo]. Tenho meu próprio carro, minha casa é alugada, então, quando tudo isso aconteceu, fiquei com dificuldade de pagar as contas, pois tenho dois filhos pequenos”, contou.

Em Americana, o litro da gasolina chega a custar até R$ 5,29, e o etanol, beira os R$ 4. A Petrobras tem justificado que o aumento é uma consequência da valorização do petróleo internacionalmente e da desvalorização do real em relação ao dólar.

“Em janeiro desse ano, quando subiu o preço do combustível, já estava pensando em parar, porque não estava compensando. Eu estava pagando para trabalhar, pois a Uber não reajustou o preço da tarifa, ainda mais com a chegada da categoria Promo e Poupa”, afirmou.

A queda do número de passageiros por conta da pandemia foi outro fator negativo. “Em fevereiro estava praticamente parado, porque na semana de pagamento não caía nenhuma corrida, ficava esperando em média 30 minutos a uma hora até tocar a corrida”, disse.

Outra dificuldade na profissão para Tiago era a acessibilidade. Ele é deficiente auditivo, mas é oralizado e consegue ler lábios. No entanto, com a pandemia e o uso obrigatório de máscaras, a situação ficou mais difícil.

“Na Uber tinha acessibilidade, onde ativa a opção que o passageiro recebe a notificação que o motorista é deficiente auditivo. Já a 99 não tinha essa opção, toda corrida eu tinha que avisar que quando for falar comigo tinha que abaixar a máscara para facilitar a leitura labial”, contou.

Em março, no entanto, após mandar vários currículos, Tiago conseguiu uma vaga de assistente administrativo na unidade da Faber-Castell no município de São Carlos, onde mora com a família desde então. “Graças a Deus consegui um novo emprego com carteira registrada”, comemorou.

NOVO EMPREGO
O caso de Tiago é semelhante ao de Luís Antônio Bardella, de 58 anos, que começou a trabalhar como motorista de aplicativo em setembro de 2017, logo depois de perder o emprego em uma empresa de banda larga.

Após a demissão, ele passou a se sustentar como motorista. “Nos bons tempos do aplicativo, como em 2018, dava para ganhar balanceando o valor do combustível com o valor das corridas”, argumentou.

“Paralelamente, enquanto trabalhava no aplicativo, eu devo ter mandado uns 5 mil currículos. Mas a realidade para pessoas como eu, com mais de 50 anos, é mais dura”, lamentou.

Segundo Luís, foi a partir do ano de 2019 que as coisas começaram a ficar insustentáveis. “Desandou de vez. O combustível deu uma aumentada, o sistema de remuneração dos aplicativos foi alterado e nosso lucro caiu drasticamente”, afirmou.

Desde meados de 2020, os aumentos do preço dos combustíveis ficaram maiores e mais frequentes. A Uber também foi diminuindo o percentual repassado ao motorista, contou.

“Em setembro de 2020 eu já comecei a trabalhar 17 horas todos os dias, de domingo a domingo, daí não tinha nem tempo para enviar currículo ou ficar com a família. E a minha renda foi caindo”, continuou Bardella.

Uma oportunidade de emprego surgiu através do filho de Luís, que mora em São Paulo e conseguiu uma vaga para o pai em uma empresa de móveis planejados no bairro de Santana.

“Eu abracei a oportunidade de corpo e alma. Agora estou aqui como aprendiz, aos 58 anos. Preciso aprender muito e tenho um desafio grande pela frente, porque nunca trabalhei nessa área. É difícil nessa idade começar de novo, é preciso ter garra”.

Categoria organiza manifestação para o dia 17

Os motoristas de aplicativo estão organizando uma manifestação nacional para a próxima quarta-feira, dia 17.

Em Americana e Santa Bárbara d’Oeste, o protesto está sendo organizada pelo grupo “Somos Um”. O motorista de aplicativo Reginaldo Franco, de 43 anos, que se diz uma das lideranças da categoria nas duas cidades, disse que os detalhes da manifestação, como o trajeto, ainda estão sendo acertados.

“Hoje está inviável rodar com combustível obtido do petróleo. A não ser combustível a gás. Não vale mais a pena. Os aplicativos baixaram o valor da corrida com promoções”, afirmou.

A categoria reclama que não teve reajuste no repasse feito pelas empresas, apesar do aumento de custos com combustíveis, que, segundo eles, chegou a 106% nos últimos cinco anos.

Questionado pelo LIBERAL, a Uber afirmou, em nota, que trabalha para “reduzir os custos de quem realiza viagens de carro e entregas usando a nossa plataforma”.

Com relação a combustíveis, a empresa alegou que há quase dois anos lançou o “Uber Pro”, um programa de vantagens para parceiros, que inclui cashback de 4% dos gastos, desde que seja na rede de combustíveis parceira da Uber.

Sobre o “Uber Promo”, a companhia disse que a categoria foi criada durante a pandemia para “gerar mais viagens para os parceiros em horários de baixo movimento”, mas que o motorista parceiro é “totalmente livre para decidir se aceita ou não uma viagem” que seja desse tipo.

A empresa 99 também foi questionada pelo LIBERAL a respeito das questões levantadas pela categoria de motoristas de aplicativo, mas não respondeu às perguntas até o fechamento dessa reportagem.


Fonte: O LIBERAL