Estado de sítio e toque de recolher: entenda as diferenças

 



Por Agência Estado


Em live realizada na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decretos estaduais contendo medidas restritivas como toque de recolher.

“Isso (toque de recolher) é estado de defesa, estado de sítio que só uma pessoa pode decretar: eu”, disse o mandatário. “Mas, quando eu assino um decreto de defesa ou sítio, vai para dentro do Parlamento”, acrescentou. O governo tenta derrubar decretos na Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

Já durante conversa com apoiadores na frente do Palácio do Planalto na manhã desta sexta, Bolsonaro voltou a criticar as medidas restritivas impostas por governadores para conter o avanço do novo coronavírus e afirmou que “vai chegar o momento” de o governo tomar uma “ação dura” por causa da pandemia. Mais tarde, segundo o Estadão apurou, o presidente negou a ideia de implementar um estado de sítio, em conversa com o presidente do STF, ministro Luiz Fux.

As restrições de um estado de sítio têm motivações diferentes das decretadas em um toque de recolher simples, diz o professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Claudio Langroiva Pereira. O primeiro, em resumo, visa conter uma ameaça ao Estado democrático, enquanto o segundo funciona como uma medida sanitária emergencial.

Entenda a seguir o que é e para que serve o estado de sítio e a diferença para um toque de recolher.

O que é estado de sítio?

Segundo o art. 137 da Constituição Federal, o presidente da República pode pedir autorização para decretar estado de sítio no caso de:

“I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.”

O mecanismo faz parte do chamado sistema constitucional de crise, afirma o professor de Direito Constitucional do Mackenzie, Sávio Chalita, cujo objetivo é “sempre a defesa do estado e das instituições democráticas”. Faz parte do sistema também o estado de defesa; entenda aqui o que significa.

O que é o toque de recolher?

O toque de recolher é medida listada na Lei 13.979/20, que dispõe sobre normas de combate à pandemia que podem ser aplicadas por prefeitos e governadores. Ela permite restringir a circulação de indivíduos, desde que justificada com evidências científicas para controle da pandemia.

O art. 3º da lei diz:

“Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: VI – restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de:

a) entrada e saída do País; e

b) locomoção interestadual e intermunicipal”.

O professor Chalita ressalta ainda: “A lei condiciona que as medidas restritivas poderão ser tomadas apenas se baseadas em evidências científicas e em caráter temporário, sendo o único objetivo a promoção e preservação da saúde pública”.

Quem pode decretar o estado de sítio?

Apenas o presidente da República, mas com autorização de outras instâncias do Poder. Em primeiro lugar, ele deve ouvir tanto o Conselho da República quanto o Conselho de Segurança Nacional acerca do assunto.

O Conselho da República é um comitê convocado especialmente para deliberar sobre a declaração ou não do estado de sítio ou de defesa, bem como a estabilidade das instituições democráticas. Já o Conselho de Segurança Nacional é outro órgão de consulta do presidente, mas para assuntos relacionados à soberania nacional e ao Estado democrático. Cabe a ele decidir sobre declarações de guerra ou de paz e a opinar sobre o decreto de estado de sítio também.

Com a resposta positiva, ele deve solicitar a autorização para decretar o estado de sítio ao Congresso Nacional. O decreto só é aprovado com maioria absoluta (50% + 1).

O que acontece durante o estado de sítio?

Segundo o art. 139 da Constituição, o estado de sítio prevê a limitação dos seguintes direitos fundamentais:

obrigação de permanência em localidade determinada;

detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;

restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;

suspensão da liberdade de reunião;

busca e apreensão em domicílio;

intervenção nas empresas de serviços públicos;

requisição de bens.

Quantos dias pode durar o decreto de estado de sítio?

O estado de sítio pode ser decretado por até 30 dias. Depois, pode ser prorrogado pelo mesmo prazo, sem limite máximo no número de prorrogações, diz Chalita. No caso de decreto por guerra ou agressão armada estrangeira, o estado de sítio pode durar até o fim do conflito.

Quais são as críticas ao toque de recolher?

O toque de recolher vai de encontro ao direito de livre locomoção – este, sim, previsto na Constituição. Neste ponto, entra a consulta ao STF, a fim de determinar o que pesa mais no momento, afirma o professor Claudio Langroiva Pereira. “O que se pode avaliar é um abuso dessas medidas, que podem estar limitando o direito de ‘ir e vir’ sem justificativa. Porém, é algo que deve ser discutido sob a ótica do direito à vida, à segurança, à saúde e à livre locomoção”. Em resumo, qual dos lados é “mais caro” à sociedade no momento da consulta.