Ex-assessor de Major Olímpio relata intubação e alucinações pós-Covid

 



Ex-assessor de imprensa do senador Major Olímpio, o jornalista Diego Freire, de 33 anos, foi diagnosticado com Covid-19 na mesma semana do então chefe. Ambos foram internados, o senador em São Paulo e Diego em Brasília, tiveram o quadro agravado em pouco tempo e foram para UTI. Major Olímpio morreu aos 59 anos em 18 de março, apenas 16 dias após o diagnóstico. Em Brasília, Diego lutava pela vida, ainda intubado e inconsciente.

Depois de 14 dias após a intubação, Diego acordou. Mas, em vez de um despertar calmo, passou uma semana tendo alucinações, acreditando que estava sequestrado. Aos poucos foi voltando à consciência e passou por reabilitação. Atualmente, Diego Freire é assessor de imprensa do suplente de Olímpio, o senador Alexandre Giordano (PSL-SP). 

Diego, que não tem comorbidades, escreveu um relato impressionante do que sentiu antes, durante e após a intubação. 

Leia abaixo o relato escrito pelo jornalista, na íntegra: 

Avisa que eu voltei


Por Diego Freire

Sem dúvida, esses últimos dias foram desafiadores. Porém, não me curvei. E descobri o valor real da palavra resiliência. E posso te dizer, a intubação foi a sensação mais indescritível que vivi. Foi uma luta contra a morte. E isso me fez, e me faz ser um ser humano melhor. Diante de tanta tragédia, perda de amigos, eu sobrevivi.

Me recordo que não queria ser intubado. Pois não sabia se voltaria a viver. Ou voltar com graves sequelas. Ora, um tubo na sua boca até sua traquéia e drogas sedativas para você dormir até não sei quando, é desesperador.

Tô de boa- eu insistia aos médicos que queriam me intubar.

Estava com a saturação de oxigênio no sangue em 70%, fraco e com a respiração curta. E já tinha testado positivo para a Covid-19. Sabe aquela sensação de mergulhar na piscina e respirar debaixo d` água? Igual. Porém, eu nunca voltava para a superfície. Eu procurava ar e não encontrava. Isso batia o desespero. Parece que é uma morte lenta. Enfim, agoniante.

Uma ambulância me transferiu para a UTI com urgência.

Vou melhorar, disse no telefone para a minha mãe. O meu caso é tranquilo, e já tô em casa.

Talvez eu quisesse acalmá-la (ou me acalmar). Eu era um cara com saúde exemplar, e logo me vi reduzido a um tipo “moribundo". Um morto vivo!

Intubação era a minha única esperança

É complicado dizer o que passou pela minha cabeça. É um misto de despedida dessa vida com esperança.

Se pudesse traduzir em imagens, mostraria “aquele filminho”… É, aquele que dizem que as pessoas veem quando chegam no final da vida. Acho que é assim que acontece. Quando liguei aos meus familiares, era como se lá fosse a despedida dessa vida. O que dizer? O que fazer? Será que eu "acordaria vivo"? É como se fossem minhas últimas palavras. E mal sabia que estava me preparando para "dormir" por longos 14 dias. Ou melhor, 336 horas ininterruptas. Isso parece loucura!

“Vai ser como um sonho. Confie!”, respondeu a equipe médica ante minha pergunta chorando antes de ser intubado.

Confesso que a vontade era sair correndo de lá. Olhei para os lados, as portas, para sumir, mas não tinha força para aquilo.

O medo da morte é horrível. Eu estava diante dela. E após uma conversa franca com a equipe médica, aceitei.

Chorando, me deitei. E "apaguei" depois de alguns minutos.

Durante os 14 dias que permaneci dormindo com a sedação, tive medo, sucessivos pesadelos e senti um tremendo apego à vida. Nesse momento, tinha “simbolicamente” aceitado a morte.

Mas ora, eu que sempre fui valente e destemido na vida. Com coragem de rodar o Mundo (72 países) sozinho e enfrentar diversos perrengues estava me entregando assim?

Passei de caso grave para gravíssimo

Permanecia acoplado à ventilação mecânica, e tiveram que me deitar em “prona”, a posição de bruços.

Enquanto os sonhos me torturavam, em casa minha família vivia dias de incerteza, com prognósticos médicos pouco animadores.

Ter o tubo retirado era apenas o começo de uma longa recuperação

“A partir daqui, ou seu filho vai melhorar — ou vai ficar muito difícil recuperá-lo.” Alertaram a minha mãe com toda a honestidade necessária.

Para minha sorte- leia-se Deus- parece que os médicos, as orações e os santos entraram em um acordo em comum.

No dia seguinte meus parâmetros voltaram próximos a normalidade.

Fui melhorando gradualmente, até que retiraram totalmente a sedação. Acordei muito agitado e chorando.

Eu não sabia o que era sonho. O que era realidade.

Quando voltei à consciência, percebi uma fisioterapeuta ao meu lado. Enquanto ela falava comigo calmamente, percebi sua expressão cuidadosa; com olhos arregalados, ela me sinalizou para respirar pelo nariz. E fui extubado! Enfim, retiraram quase meio metro de cano de dentro de mim!

Ainda grogue de sedativo, "amarraram" as minhas duas mãos na cama. Ora, sonhei quando sedado, que havia sido sequestrado, e me vejo imobilizado daquela forma. Eu tive a certeza. Aquilo era um sequestro de fato.

A realidade não parecia diferente dos sonhos. Parecia pior! Acreditava estar há meses naquele estado. E assim fui diagnosticado com sintomas de delírios- efeito secundário à sedação.

Um enfermeiro - que eu jurava fazer parte da gangue do sequestro- me pergunta se eu queria falar por vídeo com um familiar. Eu com medo dele, balancei a cabeça que sim.

Alô mãe? Estou bem, mas fui muito torturado aqui. Me machucaram. Olha minha testa, meu pé, meu corpo todo roxo. Estão me asfixiando. Pedem pra me soltar.

Terrível, mas foi o que eu disse à minha mãe, por videoconferência, quando me puseram na linha tentando me trazer de volta à realidade.

Minhas únicas palavras. Foram poucas, pois achava que estava no poder de bandidos.

Logo em seguida, quiseram escovar meus dentes. Eu não deixei. O dentista insistiu abrindo minha boca. Mordi o dedo dele. E ele desistiu.

Todo mundo que se aproximava de mim, achava que faria maldade pra mim. Eu tentava a todo custo me soltar. Mesmo sem força, eu quando achava que estava "desatando o nó", aparecia alguém do nada para reforçar a contenção. E assim, foi a noite toda. E mais dois dias.

Eu me via "preso". Com o esforço, eu pedia água. E me davam uma gase embebida com o líquido. Eu estava cada vez mais convencido, que eu estava sequestrado.

Essa transe psicótica durou uma semana. Após eu sair da UTI, me levaram pro quarto da semi UTI, e aos poucos me convenceram que eu tinha sonhado aquilo. Eu jurava que não! Eu mostrava os machucados em meu corpo.

A psicóloga estava encarregada de me dizer a verdade. Eu insistia com ela da atrocidade. Hoje vejo, que as pessoas me olhavam "esse menino pirou". Eles não discutiam comigo.

Aos poucos, fui percebendo que era imaginação. E o medo das pessoas cessando. E aquilo tudo era efeito da sedação.

No quarto ao lado, descobri que o paciente extubado igual eu, imaginava ter pessoas no quarto e gritava aos prantos para sairem de lá. Eu logo ri e pensei- que loucura.

Reabilitação: passinho de formiguinha

Quando dois enfermeiros me transferiram para o quarto, percebi que não tinha forças para ficar de pé. Percorri um custoso caminho na fase de reabilitação. Mas, com a alegria de estar vivo, tive grande força de vontade em superar os obstáculos.

E os obstáculos eram diversos. Eu necessitava de ajuda até para comer. Tive que reaprender a mastigar, a respirar, a falar, enfim. Estava nascendo novamente.

Confesso que é desesperador. Eu parecia que tinha voltado a ser criança. Tudo eu necessitava de ajuda. É como você reiniciar uma máquina do zero.

Não conseguir mexer uma parte do seu corpo - não é força de expressão- é estranho. Eu não tinha nem controle de engolir a própria saliva. Ali estava completamente paralisado.

Os médicos e fisioterapeutas entravam dia após dia no quarto dizendo: se acalme, isso é um processo de formiguinha.

Avisar isso, para um cara ligado no 220 e super ativo é agoniante. Os dias foram se passando, e percebi: era bem "formiguinha" mesmo. A cada dia, uma surpresa. Pequena coisa, mas era. Eles estavam certos! Esse momento, foi o que mais me apeguei nas orações e na junta médica, em especial a minha fisioterapeuta.

Não tinha moleza. Três vezes por dia- manhã, tarde e noite- eu estava me exercitando com ela. E o resultado surgindo a "passo de formiguinha".

Sem dúvida, mexe muito com o emocional. Ela acreditando no meu potencial de se reerguer foi primordial.

Descobri, ainda no hospital, na semi UTI, em uma conversa com meu primo, perguntei a ele - ainda com a voz que mal saia - se pensaram que eu ia morrer.

Com a voz embargada, ele chorou, abaixou a cabeça e disse - sim, pensamos.

Banho de gato

E o banho? Ah, essa é uma parte especial. Eu estava há 1 mês tomando banho na cama. E posso te assegurar, não é nada animador se "limpar" deitado. Era o que tinha! Eu não me mexia!

- Meninas boa noite!! Bora tomar o banho de gato!!!

Dizia eu com o sorriso no rosto para as auxiliares de enfermagem, pontualmente às 20h.

E lá me viravam para um lado. Viravam pro outro. Ensaboa aqui. Acolá. Enxagua. E pronto! Hora de colocar a fralda. Isso mesmo, fralda!

Tive que usar, ora, eu não tinha mobilidade de ir ao banheiro.

Hora do chuveiro

O famoso "banho de gato" foi extinto graças a minha namorada. Em um fatídico dia ela chegou para dormir comigo, e me propôs tomar banho de chuveiro. Eu rebati que não. Eu me sentia fraco. Nunca havia ido ao banheiro daquele quarto.

Passado cinco minutos, descobrimos que o plantão da noite daquele dia era um auxiliar de enfermagem. Luís se apresenta.

- Hoje vou ficar contigo. Que tal tomarmos um banho de chuveiro hoje?

Eu prontamente rebati novamente. Parecia que tinham combinado. Porém, olhei para minha namorada, e ela me encorajou a irmos com a cadeira de banho. Aceitei.

Com a ajuda deles, fui colocado no assento, e levado. E foi maravilhoso!

O banho tirou todo a "inhaca" de hospital. Me senti novo de novo. Acho que foi o melhor banho da minha vida.

No dia da alta

Eu tinha meta. E eu contava mentalmente os dias. Cheguei a dizer. Me liberem para ir pra casa. Já estou bem. Tô fazendo hora extra aqui.

Sô iremos sair quando você der os primeiros passos- dizia minha mãe como objetivo para ir embora.

Uma semana antes da alta. Dei os primeiros passos cambaleando e com ajuda. Aquilo era uma vitória.

Quebrei todas as metas estabelecidas. Ouvi de fisioterapeutas que pacientes do meu estágio demorariam meses para levantar da cama. E lá estava eu: de pé depois de semanas.

Saí do hospital de cadeira de rodas, mas fui andando vagarosamente para o carro, e com a imagem do meu santo protetor: Anibal di Francia.

Contei com um incrível apoio de toda equipe médica. Sou todo agradecimento. Quando chegou o dia da minha alta da UTI, médicos, enfermeiras, auxiliares de enfermagem e fisioterapeutas me surpreenderam com fotos e o sorriso estampado no rosto. Pois lá caracterizaram "Di você foi um milagre. Você nasceu de novo".

E assim, me ajudaram a ressignificar o que havia me levado até ali: mesmo quando a vida está por um fio, somos capazes de lutar.

“Você recebeu uma nova vida, Diego. A partir de agora quero que você cuide bem da sua saúde e faça por merecer essa nova chance de viver. Agradeça a Deus”, me disseram ao sair do hospital.

Ir para casa foi um alívio… No início, só conseguia dar pequenos passos, mas a constância fez com que pudesse aumentar o ritmo.

Sempre sentia fraqueza; entretanto, para evoluir era necessário fazer sempre um pouco a mais. Superar a dor era essencial.

Possuímos uma capacidade extraordinária de recuperar o corpo e a mente. Mesmo quando existe dor — e me dirijo a todos que estão sofrendo –, podemos descobrir mecanismos que nos ajudam a superá-la.

Nas primeiras noites em casa, eu acordava toda hora

A primeira noite em casa, foi estranho não ser observado pelas enfermeiras ou acordar sendo furado ou o barulho dos aparelhos que media a saturação do meu oxigênio.

Senti medo de não acordar. Encontrar uma posição para dormir era sempre complicado.

Muitos pacientes desenvolvem ansiedade devido à intubação, e eu fui um deles. Nas primeiras noites, acordei de madrugada assustado. E por vezes pensava. Aquilo tudo que passara era sonho ou realidade? Eu de fato não sabia.

A superação nunca ocorre com o esquecimento, e sim com a aceitação e a transformação do medo em coragem.

Parafraseando Helvis Amorim -
A coragem não é ausência do medo; é a persistência apesar do medo.

Além disso, tive grande dificuldade de memória e concentração, esquecia senhas, palavras e até oração.

Agora sei o porquê de todo dia a psicóloga e a fonoaudióloga entrarem no quarto e me perguntar: que dia é hoje? Qual seu nome completo?

Além disso, para registrar o meu relato, eu teria de encarar os sonhos do período intubado. Eu lembrava de tudo — mas com a consciência dos sonhos.

Atualmente, acredito que devemos utilizar nossos desafios — como a impotência diante da pandemia — para dar origem à verdadeira recuperação, que vai além da saúde: é uma recuperação social, cultural e humana. Uma recuperação como ser humano.

Chegamos a mais de 380 mil mortos por Covid-19 no Brasil. E a pandemia continua avassaladora.

Que Deus possa iluminar cada leito.

Hoje, sou todo agradecimento as orações e a força positiva com meu nome. Em destaque aos profissionais da saúde. E por último, e não menos importante, agradeço as pessoas que me acompanharam no meu dia a dia, na minha luta para viver, entre elas: minha mãe e namorada. Meu muito obrigado a todos!

Essa é a minha história, e o recomeço de uma nova vida.


Fonte:R7