Especialistas comentam as vantagens das brincadeiras na natureza

 



Brincar solto na Praça Divino Salvador, em Americna, é fundamental na rotina do pequeno Vicente, de 1 ano e 6 meses, acompanhado pela mãe, a pedagoga Aline Carneiro de Meneses, de 34 anos, e o pai, o educador musical Shauan Lopes Bencks de Souza, de 41 anos.

O bebê nasceu com uma má formação no diafragma e, devido à necessidade de cuidados especiais, a família cumpriu à risca o distanciamento social quando iniciou a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). “Quando o Vicente completou um ano, eu comecei a perceber que ele estava sentindo falta de conhecer outros espaços além da casa. Então comecei a levá-lo nas praças todos os dias”, lembra a mãe.

“A partir daí ele começou a se desenvolver muito mais, observar mais as coisas, ficar mais desenvolto. Antes eu saia com ele no portão e ele já olhava assustado para as pessoas. Hoje não tem mais tanto medo”, conta.

A mãe preza que o bebê tenha contato com a terra, a grama, brinque descalço. “Sentamos em um tecido, e ele fica solto na praça, observa a natureza, as árvores, gosta muito de tocar nas árvores, correr atrás dos pássaros, isso faz toda a diferença no dia dele. O dia em que está chovendo, e nós não saímos, já percebemos que fica mais irritado dentro de casa”, afirma.

A pedagoga conta que chega a ficar 3 horas com a criança brincando ao ar livre, mas nem sempre é necessário tanto tempo, porque há dias em que o próprio Vicente demonstra cansaço mais cedo.

Importância
Segundo o pediatra Paulo Cesar Colbachini, que atende em Americana, o contato com ambientes externos e elementos da natureza é essencial para o desenvolvimento global das crianças, com vantagens para o sistema imunológico, neuromotor, psicológico e emocional.

Ele explica que as brincadeiras que envolvem um pouco de grama, terra e pedras, por exemplo, podem funcionar como uma espécie de vacina. “A criança tem contato com os antígenos da natureza, e isso faz com que ela produza alguma imunidade, alguns anticorpos, com um grau mais elevado. Vamos aos poucos estimulando o sistema imune a criar uma defesa própria contra o meio ambiente em que convivemos no dia a dia”, diz.

“Quando você se fecha em uma bolha, ao ter contato com sarampo, catapora, rubéola, você pode ter uma reação exacerbada”, afirma ainda.

O médico ressalta a relevância das brincadeiras ao ar livre para o desenvolvimento dos movimentos corporais e do equilíbrio. “É na hora que a criança começa a praticar que ela consegue melhorar as suas habilidades. Desde pequena, ela precisa de estímulos”, aponta.

Outra necessidade lembrada pelo pediatra diz respeito aos banhos de sol, recomendados especialmente aos bebês, mas que continuam importantes ao longo da vida. “Desde os bebês recém-nascidos nós orientamos que tomem um pouco de sol, no período de insolação mais saudável, o que ajuda a desenvolver o seu sistema ósseo, e é importante”, aconselha.

Para a psicóloga clínica Alessandra Donizete Augusto, que atende em Americana e é especialista em infância, comportamentos como irritabilidade, desatenção, ansiedade e quadros de obesidade infantil são sinais de carência de contato com o mundo exterior e com a natureza.

Ela explica que nestes casos as crianças podem estar sendo super estimuladas, especialmente quando estão sobrecarregadas pelas aulas remotas, pelos videogames ou televisores.

“O contato com a natureza estimula a curiosidade e a criatividade da criança, o que é muito importante. Ela aprende a descobrir um novo mundo, um novo cenário, novas contingências, novos estímulos. E isso também vai desacelerando a criança, porque ela precisa de uma concentração maior para aprender esse novo mundo”, afirma.

Contato com ambientes externos e elementos da natureza é essencial para o desenvolvimento global das criança – Foto: João Perini – Pexels

Benefícios a qualquer idade

A criança que está frequentemente em contato com a natureza costuma estar mais relaxada, se sente integrada ao ambiente em que vive e mais confiante para aprender novas brincadeiras. As vantagens podem ser estendidas aos adolescentes, jovens e adultos, segundo explicou a psicóloga clínica Alessandra Donizete Augusto.

“Estamos em um cotidiano muito corrido, hiper estimulado, vivendo no automático, cumprindo prazos e sem prestar atenção ao que está acontecendo à nossa volta. Quando entramos em contato com a natureza, respiramos ar puro, fazemos uma caminhada, andamos de bicicleta, nós prestamos atenção à nossa volta, diminuímos os estímulos, mudamos o cenário, e isso faz com que a gente se sinta melhor”, afirma.

“Acabamos nos conectando melhor com o ambiente e com nós mesmos, o que dá uma sensação muito boa, de dever cumprido, realização, de que damos conta do que estamos nos propondo. Por isso é tão benéfico o contato com a natureza”, conclui.

Experiência em Nova Odessa

No mês passado, a Prefeitura de Nova Odessa distribuiu 1,2 mil “Kits Natureza”, caixas contendo elementos naturais, como pedras, barro, terra, sementes, entre outros, aos familiares de crianças com idades entre 0 e 3 anos matriculadas na rede municipal de ensino.

O uso dos materiais seria dirigido pelas educadoras através de mensagens em grupos no WhatsApp, com propostas de brincadeiras e interações com a família, segundo a administração. A ideia é que novos kits sejam planejados com diferentes materiais e propostas de aprendizagem nos próximos meses.

“É muito importante que as crianças, desde cedo, aprendam com seus pais e seus educadores a respeitar e a valorizar a natureza e o meio ambiente. O amor pela natureza as levará a amar e apreciar o mundo natural e a atuar em relação a esses sentimentos, contribuindo para o seu cuidado e preservação”, observou a diretora da Educação Infantil do município Luciana Negrison, em nota divulgada à imprensa.

A dinâmica tem como premissa um dos direitos constitucionais da criança, o direito ao brincar, e foi elaborada a partir dos pressupostos teóricos do “brincar heurístico”, um conceito cunhado por Elinor Goldschmied (2006).

“O ‘brincar heurístico’ propõe brincadeiras com objetos não estruturados e que não são brinquedos comercializados, possibilitando a investigação, a manipulação, a exploração e as descobertas pela criança”, explicou a educadora responsável pela pesquisa das referências teóricas que basearam a iniciativa.

Covid-19: não facilite

Tendo em mente a importância das atividades ao ar livre, o pediatra Paulo Cesar Colbachini lembra que todos os cuidados contra a disseminação do novo coronavírus (Covid-19) não podem ser deixados de lado. Portanto, idas às praças ou parques enquanto durar a pandemia são recomendadas com critério e cuidado.

“Não dá para compartilhar muito as pracinhas por aí. O que eu tenho recomendado no consultório é que os pais procurem um horário em que estejam mais vazias. E se houver desconhecidos, evitem contato próximo, porque não sabemos a rotina das famílias e nem todos estão tomando os cuidados necessários. Tem que ter uma vida saudável, ao ar livre sempre que possível, mas com muito cuidado. Não dá para ‘abaixar a guarda’”, finaliza.


Fonte: O LIBERAL