Da quase morte à plantação

 



Foi com um sorriso no rosto e acompanhado da esposa, netos e duas das filhas, além do cachorrinho da família, que encontramos o senhor Paulo Cubo, um pintor de 53 anos, morador do Jardim Alvorada, em Americana, que teve o membro superior direito amputado após ser picado por uma aranha-armadeira marrom.

Nossa visita aconteceu pouco depois das 11h da manhã e ele, mesmo com um braço só, empurrava um carrinho com 40 litros de água, que logo serviria para regar a horta que ele mesmo cultiva há cerca de dois meses. Falante, seu Paulo contou que aquele era o 11º carrinho que levava no dia. Entre as dezenas de espécies plantadas por ele em um terreno vazio localizado em frente à casa que mora há mais de 43 anos, temperos, frutas, vegetais e verduras.

Ao ser questionado se não se cansava de fazer esse trajeto (cerca de 200 metros da horta), ele brinca: “a gente não tem preguiça não, isso aqui é uma benção”. Apesar da alegria contagiante demonstrada por ele, nem sempre foi assim. Além de precisar superar a perda do braço, da renda – considerando que está inapto ao trabalho – ele também venceu a depressão e até o desejo de morrer.

Tudo começou no dia 6 de janeiro de 2020, quando estava trabalhando no Frezzarin. Como era pintor, costumava guardar papelões para usar como forro. Nesse dia, ele puxou alguns que tinha armazenado em umas madeiras podres quando acabou sofrendo o ataque. “Eu puxei o papelão, quando ela passou por mim e me picou. A dor foi insuportável”, recorda. Após 8 dias, internado no Hospital Municipal Dr. Waldemar Tebaldi, o pintor foi encaminhado para o setor especializado na Unicamp, de onde só saiu após 4 meses, 3 intubações, algumas paradas cardíacas, uma série de hemodiálises e vários outros problemas. “Os médicos chegaram a ligar para a minha menina ir liberar o corpo”, recorda ele que diz ter morrido várias vezes. “Por isso sou uma pessoa alegre e dou tanto valor à vida”, reflete.

De lá para cá, seu Paulo, que ainda não conseguiu o benefício da aposentadoria, vive um dia de cada vez, sempre contando com a ajuda e solidariedade dos outros. “Ainda bem que os outros têm bondade e todo mundo ajuda”, comenta a esposa, Ivanira dos Santos Madeira. O pintor conta, que apesar de ter aceitado sua nova condição e ter saído do hospital com a cabeça erguida, com o tempo foi ficando depressivo. “O meu novo rumo veio da terra. Na verdade, eu só melhorei depois que comecei a cuidar dessa horta”.


A horta. Mesmo sem nunca ter plantado nada além de flores em casa, quando teve a oportunidade e a autorização de assumir os cuidados com o terreno, não pensou duas vezes.

A iniciativa foi apoiada pela vizinhança e tudo que é cultivado lá é fruto de doação. Segundo ele, em menos de 40 dias, várias pessoas já tiveram a oportunidade de se alimentar das alfaces cultivadas no terreno.

“Assim que começou, as pessoas perguntavam se eu ia vender, e eu sempre disse: quem quiser é só chegar e colher”.

E para quem ainda encontra motivos para reclamar, ele faz questão de deixar um recado. “Duas coisas são padrões para quem passa por qualquer problema. Primeiro, pedir muita ajuda a Deus e depois, se apegar na família”.

No momento, além da preocupação financeira, a única coisa que tira o sorriso do seu rosto é o sol em demasia. O motivo: ele tem medo que prejudique sua horta, principalmente porque ele não tem condições de colocar uma estufa como proteção. Do mais, seu Paulo encara tudo como uma terapia para o corpo e para a alma. “Que sirva de exemplo para os outros”, finaliza.


Fonte> O LIBERAL