Diretor de Defesa Animal de São Carlos alerta para possível desaparecimento de espécies




A fauna e a flora pagam a absurda conta do número de queimadas que ocorrem em 2021 no perímetro urbano e no zona rural de São Carlos. Como trágica consequência, espécies animais podem estar sendo dizimadas pela ação irresponsável do ser chamado humano. A flora, por mais resistente que seja, também sofre as consequência pelos frequentes focos de incêndio que têm sido registrados no município.


O alarmante recado é dado pelo diretor do Departamento de Defesa Animal de São Carlos, o biólogo Fernando Magnani, 54 anos, em entrevista exclusiva ao portal 


Magnani não se furtou ao responder vários questionamentos. Não escondeu sua preocupação e relatou que, em um ano atípico, marcado por vários meses de estiagem, tempo seco e muitas queimadas, a fauna e a flora de São Carlos têm pagado um preço alto.


Espécies animais podem ser extintas e a flora levar muito tempo para se recuperar. Um dado assustador, segundo ele, é que o Inpe aponta São Carlos como uma das cidades com maior número de queimadas em todo o Estado. Não tem um tempo previsto para recuperação da biodiversidade e o que é pior: a maioria dos incêndios na região da cidade é considerada de origem criminosa.


PERGUNTAS DIRETAS E RESPOSTAS PREOCUPANTES


Abaixo, a entrevista com Fernando Magnani. Coerente e sensato, mostrou toda a sua preocupação com a fauna e a flora que habita São Carlos (perímetro urbano e zona rural):


São Carlos Agora - Hoje, como essas queimadas têm afetado a fauna e flora na região de São Carlos?


Fernando Magnani - Antes de responder é importante frisar que queimadas fazem parte do bioma do Cerrado, sempre existiram e a fauna e flora aprenderam a conviver com ela. Mas nos últimos tempos com a redução deste ambiente em pequenos fragmentos, as alterações por impactos diretos nestes remanescentes como retirada de madeira, plantas, caça e deposição de lixo e a frequência absurda de fogo, é fato que a flora e fauna são fortemente reduzidas e empobrecidas, com o desaparecimento de espécies mais delicadas e especialistas e “sobrando” as mais resistentes, então se começamos com 100 espécies diferentes, terminamos pós impactos com menos de 20 espécies, sempre as que resistem mais.


SCA - Através de pesquisas e análises, tem ideia de quantos animais silvestres foram afetados pelos constantes focos de incêndio?


Magnani - Não é um número que se tenha precisão, mas é certo que as queimadas matam muito animais a cada novo incêndio, mas a grande maioria nem vemos, pois são seres pequenos que são destruídos pelo calor intenso, como grilos, gafanhotos, pequenos roedores, pequenos lagartos que são a grande maioria da fauna e não dão grande manchetes na imprensa, embora sejam a base da cadeia alimentar de outros animais com os quais simpatizamos, como muitas aves, tatus, raposas e lobos. Portanto uma queimada está eliminando espécie diretamente e colocando em risco de fome outras a longo prazo.


SCA - Quais os tipos mais frequentes de lesões nos animais?


Magnani - Os poucos animais sobreviventes de uma queimada têm boa parte do corpo com graves lesões de queimaduras, que via de regra causam a morte em curto prazo, é muito difícil um animal muito queimado sobreviver. Outra lesão que ocorre, mas invisível em uma primeira avaliação é a intoxicação pela fumaça, que bloqueia a troca gasosa em seu pulmão causando danos permanentes ou até mesmo o óbito.


SCA - Quais os animais mais afetados? Bípedes ou quadrúpedes?


Magnani - Todos ao animais são direta ou indiretamente afetados pelos incêndios frequentes, seja por contato direto com o calor no momento do incêndio, seja em longo prazo com a falta de alimentos e abrigo.


SCA - Pode colocar em risco alguma espécie? Em caso positivo, qual?


Magnani - Como já comentado, o risco sempre é maior para as espécies mais especialistas, aquelas que dependem de um ou dois alimentos por exemplo, ou de um tipo de ambiente que foi queimado, por exemplo com os incêndios florestais os beija-flores por exemplo sofrem muito pois dependem de espécies da vegetação que podem ter sido queimadas pelo fogo e demoram a se recuperar.

SCA - Quanto à flora, que prejuízo as queimadas provocam em árvores e flores?


Magnani - Nosso ambiente, o Bioma do Cerrado é especialista em resistir ao fogo. As espécies possuem diversas estratégias para sobreviver, mas o problema é a frequência, se queima todo ano, não tem organismo ou população de espécie da flora que consiga sobreviver. E outro efeito danoso é a abertura pelo calor de grande áreas que antes era cobertas de vegetação de porte arbóreo (árvores) e nestas aberturas nasce e cresce o capim, fornecendo mais combustível para novas queimadas no ano seguinte e assim empobrecendo os fragmentos florestais e destruindo aos poucos toda a vegetação.


SCA - Qual o tempo para recuperação da mata e dos animais silvestres?


Magnani - É uma pergunta difícil de responder. Não existe um tempo certo, depende de vários fatores, mas é certo que fragmentos florestais isolados, muito próximos da cidade e já impactados por ações humanas diretas como citei acima (corte, caça, entrada frequente de animais doméstico e lixo) jamais se recuperarão. A cada nova queimada perde-se novos exemplares de árvores e animais e não tem reposição, no fim desaparece totalmente.


SCA - Pelo que você tem conhecimento, 2021 tem sido um dos piores anos quanto aos focos de incêndio?


Magnani - Podemos sim perceber que é um ano muito ruim, acima da média de focos de incêndio frente aos últimos anos. Os dados do INPE colocam São Carlos muito perto do infeliz topo do índice de queimadas no Estado de São Paulo. Fato muito triste.


SCA - Pelo que você apura, esses incêndios são criminosos?


Magnani - A esmagadora maioria dos incêndios é de origem criminosa, de forma ativa ou passiva, colocando diretamente ou jogando uma bituca de cigarro para fora do carro. Pouquíssimos são “naturais”


SCA - Considerações finais:


Magnani - Vivemos tempos difíceis, cinzentos e de profunda reflexão do que estamos fazendo com a natureza. Mas, mais triste saber que assim que voltarem as chuvas, a poeira baixar e alguma vegetação crescer, tudo será esquecido até o ano que vem, quando virão novos incêndios e assim de forma sucessiva e perversa até não sobrar nada.


Não entendo porque como brasileiros enxergamos a vegetação natural, o famoso “mato” como uma situação de atraso e que precisa ser domado, seja pelo corte ou pelo fogo. Mas ainda temos algum tempo, apesar de curto, para mudar e salvar o que resta, conscientizando todos que dependemos de áreas verdes para termos qualidade de vida e um futuro melhor para nossos filhos e netos.


Fonte: São Carlos Agora