Lockdown e luto: como as crianças têm enfrentado a pandemia em SP

 




A pandemia causada pela Covid-19 também impactou, de forma agressiva, a vida das crianças em diferentes cantos de São Paulo. Diante da crise sanitária, os pequenos deixaram de frequentar a escola, muitos perderam familiares e até mesmo a questão da pobreza e falta de assistência em saúde em algumas regiões do estado afetou as crianças e as fez mudar completamente de rotina.

O estudante Jean Lucca Macedo, de 11 anos, por exemplo, perdeu o pai em abril de 2020, vítima da Covid-19. A irmã de Jean, Bianca Luiza, relatou ao R7 o quanto todo esse processo do falecimento do pai o afetou. “Ele já era meio fechado antigamente e, depois do ocorrido, se tornou mais fechado ainda”.

Além de ter que lidar com o luto bem no começo da pandemia, o menino ainda precisou se adaptar a todas as mudanças que vieram junto com ela, como a aula online e o lockdown. Ainda de acordo com Bianca, foi um processo muito difícil para a família, que reside na região da Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, e Jean, que tinha o costume de sair sempre com o pai, entrou no mundo cibernético e passou a jogar vídeo game noite e dia. “É o jeito que ele fazia e faz para se distrair”.

A questão do lockdown e a falta do convívio entre pessoas da mesma idade pode agravar mais a situação, de acordo com a psicóloga Meire Machado. A especialista em comportamento infantil diz que “a criança pode perder cada vez mais a vontade de interagir com o mundo externo”.

Além disso, muitas crianças, ainda que não tenham perdido familiares, precisaram, de alguma forma, usar o tempo que passavam em casa e os pais tiveram que ser criativos para não deixar que o filho usasse apenas os meios tecnológicos. Erika Rodrigues conta que o filho Bernardo, de 8 anos, sentiu muita falta dos colegas quando não pôde mais ir à escola, mas, além do celular, o pequeno tinha outros “hobbies” que o distraíam.

De acordo com Erika, o menino adora brincar com jogos de peças de montar e papelão, então ele mesmo criava as suas brincadeiras sempre que conseguia algumas caixas. Apesar disso, a mãe de Bernardo relata que tê-lo em casa por todo esse período dificultou algumas atividades, como a procura de emprego, tarefas domésticas e até a ida ao banco.

Bernardo, de 8 anos, brinca com papelão

Bernardo, de 8 anos, brinca com papelão

ARQUIVO PESSOAL

Questionada sobre a saúde do pequeno, Erika disse que Bernardo tem dermatite atópica e que, quando precisou levá-lo a um hospital, recebeu a resposta de que a consulta seria online. No entanto, após notar que a criança estava com algumas feridas no corpo, mesmo com receio, decidiu ir até um posto de saúde próximo de sua casa, em Helielópolis, na periferia da Zona Sul de São Paulo.

“Eu fui até o posto e estava muito cheio. Como ele é 24 horas e perto de casa, decidi ir de madrugada, que é bem vazio, e levei ele para passar a pomada”, relatou a mãe de Bernardo.

Distração e uso de tecnologia

Segundo a psicóloga Meire Machado, muitos pais que precisaram trabalhar em home office ou realizar algumas atividades não tiveram outra alternativa a não ser deixar seus filhos passarem o tempo na frente das telas. Celular, tablet, computador, televisão e vídeo game foram a opção de mães e pais que não viram outra saída para distrair os filhos que passaram a não poder conviver com outras crianças durante esse período.

É o que relata Jéssica Neves, mãe da Helen, de 10 anos, Marjorie, de 4 e da pequena Laura de apenas 1 ano. Apesar de as crianças fazerem companhia uma para a outra, o processo da pandemia com as três meninas em casa foi difícil para Jéssica, que havia acabado de ganhar  bebê quando tudo começou, e o seu marido precisou trabalhar ainda mais durante esse período. 

Marjorie e Laura também gostam de pintar

Marjorie e Laura também gostam de pintar

ARQUIVO PESSOAL

A solução da família, que mora no centro de São Paulo, foi o uso do celular e televisão, momento em que as meninas ficavam menos agitadas para que Jéssica pudesse cuidar da bebê e realizar as demais tarefas. Quando elas enjoavam, a mãe tentava criar brincadeiras para distraí-las. 

O caso é semelhante ao de Vitória Pereira, de 12 anos, ela também usou muito o celular para se entreter, mas, especificamente, assistindo e fazendo alguns vídeos no TikTok, além de jogar online com alguns amigos. Segundo ela, foi o que mais a distraiu durante esse período.

Vitória se diverte fazendo TikTok

Vitória se diverte fazendo TikTok

ARQUIVO PESSOAL

Vitória mora junto com a mãe e a avó em Mairiporã, na região metropolitana de São Paulo, um pouco mais afastada da capital. A maior preocupação da jovem, apesar de não gostar das aulas online, era trazer o vírus para a sua família, então, apesar de querer muito rever seus colegas, optava por tentar passar o tempo dentro de casa mesmo. “A falta dos amigos foi grande”, relata.

Apesar disso, a estudante disse ao R7 que teve momentos que precisou ir até a capital paulista de ônibus para passar alguns dias com os seus tios, e o trajeto até lá exigia que a jovem pegasse ônibus que, de acordo com ela, eram lotados. Vitória sentia receio, mas seguia todos os protocolos, usando máscara e álcool em gel e todo o processo compensava quando via sua família.

Mudança de comportamento das crianças

Ainda de acordo com a psicóloga Meire Machado, a mudança no comportamento das crianças neste período é nítida, já que suas rotinas precisaram ser completamente adaptadas. Além disso, os pequenos precisavam de uma atenção especial dos pais que, muitas das vezes, estavam de home office e não conseguiam atendê-los.

“A criança precisa muito de movimento, ar livre e tem essa necessidade de contato com os amigos, então tudo isso influencia no comportamento delas. Então se percebe crianças mais ansiosas, irritadas e até agressivas”, relata.

A especialista menciona, ainda, que as crianças que têm uma tendência a serem mais ansiosas e terem mais medo sentiram ainda mais esse cenário de pandemia. Isso porque elas ficaram ouvindo os pais falando sobre o coronavírus, pessoas morrendo, noticiários, além de terem sido privadas de se relacionar com pessoas da mesma idade.

Fonte:R7