Morte de Marília Mendonça reforça relevância da investigação aeronáutica

 



O acidente com o King Air C90A que matou a cantora sertaneja Marília Mendonça e outras 4 pessoas nesta sexta-feira (5) na região de Caratinga, em Minas Gerais, comoveu milhares de brasileiros. 

Horas depois do acidente, testemunhas já especulam possíveis causas da queda do turboélice. Os depoimentos serão colhidos pelos profissionais do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), da Aeronáutica. Independente do que disserem as testemunhas, somente o trabalho técnico e científico embasarão os relatórios parciais e final, que não têm prazo para apresentação. 

O dito popular diz que “´há males que vem para o bem”. Embora um acidente aeronáutico  com vítimas seja sempre um evento triste, doloroso e lamentável, a investigação completa dessas ocorrências tem um potencial muito grande de evitar a repetição de tragédias iguais ou parecidas.

O acidente em que houve uma colisão frontal entre um Boeing da Gol Linhas Aéreas e um jato Legacy, em 29 de setembro de 2006, provocou mudanças em procedimentos de segurança na aviação civil do Brasil. 154 pessoas morreram no norte do Mato Grosso.

O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) identificou posteriormente que havia uma dificuldade de comunicação na área em que o Legacy e o boeing estavam voando. “Naquela área de selva existem vários fatores que dificultam a comunicação, então houve a necessidade de equipamentos mais modernos, com alcance e potência maiores”, declarou a época o major-aviador Carlos Henrique Baldin, porta-voz e investigador do Cenipa.

A Força Aérea Brasileira adotou mudanças como aumento no efetivo de controladores de tráfego aéreo no país, reforço na formação e o treinamento desses profissionais e a existência de um simulador em São José dos Campos para que os controladores possam treinar e identificar falhas.

Em Congonhas, instalou-se uma estrutura que ajuda a parar aeronaves após o término da pista. Consequência do acidente com o Airbus A320 da TAM que em 17 de julho de 2007 ultrapassou os limites do aeródromo e colidiu com um prédio na avenida Washington Luis, vitimando os 187 passageiros e tripulantes a bordo do e mais doze pessoas em solo.

Para cada acidente registrado, uma investigação é aberta. Do trabalho participam profissionais extremamente treinados, que pode incluir pilotos, engenheiros, peritos, médicos e técnicos, entre outros.

Há fatores que tornam mais difícil o trabalho da investigação que vão desde a não existência de gravadores de dados a bordo como uma ocorrência em que a aeronave fique submersa no oceano, por exemplo. 

Além dos investigadores, a tarefa inclui normalmente representantes do fabricante. Para voos internacionais, a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO) estabeleceu que o governo de onde a aeronave é registrada assume o papel principal. Como no caso do voo 447 da Air France, que caiu no Atlântico, em região de águas internacionais (sem jurisdição específica). O governo francês se encarregou da investigação. Ao Brasil coube a busca por vítimas e resgate dos destroços.

Para voos internacionais, a ICAO estabeleceu que a investigação segue pelo orgão investigador do pais onde cocorreu o acidente, no caso do AF 447 o acidente ocorreu em aguas internacionais, neste caso o pais de bandeira da aeronave assume.

Como se viu neste mesmo acidente com o Airbus A330 que decolou do aeroporto do Galeão, no Rio, rumo a Paris, uma investigação aeronáutica não tem tempo determinado de duração. Isto porque o desenvolvimento da tarefa depende se muitas variáveis. O relatório final do Escritório de Investigações e Análises (da sigla francesa BEA) foi divulgado mais de 3 anos após o ocorrido, em 1º de junho de 2009.

São três as fases de um trabalho de investigação: coleta de dados, análise dos dados recolhidos – por isso é vital o isolamento da área de uma ocorrência – e a apresentação dos resultados.

A seguir você acompanha um histórico sobre a tarefa de se investigar ocorrências aeronáuticas, realizado pelo comandante Paulo Rogério Licati. Com mais de 18 mil horas voadas no Boeing 737 e expert em assuntos aeronáuticos, Licati é Elemento Credenciado em Prevenção de Acidentes Aeronáuticos pelo CENIPA e especialista em Logística e Supply Chain pela FGV.

O primeiro registro de uma medida de prevenção de acidentes aeronáuticos encontra-se na mitológica aventura de Dédalo e seu filho Ícaro, quando fugiram da ilha de Creta. Utilizando asas feitas de pena de pássaros unidas com cera, Dédalo recomendou a Ícaro que não voasse muito alto, pois o sol poderia derreter a cera. Ícaro, talvez pelo fascínio do voo não seguiu os conselhos do pai, o que lhe custou a vida.

Após a invenção do avião a prevenção de acidentes aeronáuticos começa a tornar-se uma atividade definida, inicialmente apenas com função estatísticas, evoluindo do empirismo para conotações cientificas, ou seja, a investigação.

No Brasil, a primeira atividade de investigação registrada, foi com um balão de ar quente, do exército, em 20/05/1908, tripulado pelo Tenente Juventino, cuja investigação concluiu que a válvula de ar quente havia emperrado devido a uma corrosão.


Com o aumento do volume dos voos, as perdas humanas e materiais tornaram-se uma preocupação ainda maior e passaram a ser cada vez mais rejeitadas. Neste contexto em 1944, na cidade de Chicago, nos Estados Unidos da América, foi assinada por 52 países a Convenção sobre a Aviação Civil Internacional, a qual estabeleceu diretrizes gerais para um sistema comum de regras aeronáuticas internacionais.


Nesta Convenção, foi criada a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), uma agência especializada da Organização da Nações Unidas (ONU). Por meio da OACI, os países signatários dentro de certos princípios harmonizam os arranjos para que aviação civil internacional possa ser desenvolvida de forma ordenada e segura com base na igualdade de oportunidades. Atualmente a OACI esta baseada em Montreal, no Canadá e conta com 193 países signatários.

Sede da ICAO em Montreal – Canadá

Sede da ICAO em Montreal – Canadá

DILVULGAÇÃO

O Brasil tornou-se signatário da Convenção, a qual foi aprovada pelo Presidente da República por meio de Decreto-Lei n 7.952, de 11 de setembro de 1945, e ratificada no ano seguinte, tendo sido promulgada em território nacional.

Dentre as temáticas abordadas pela OACI, a investigação de Acidentes Aeronáuticos está prevista nos artigos 26 e 37 da Convenção de Chicago e melhor detalhada através do anexo 13. Para melhor entendimento a OACI trata como anexo assuntos distintos, por exemplo:
• Anexo 1 – Licenças de Pessoal;
• Anexo 2 – Regras do Ar;
• Anexo 3 – Serviço Meteorológico para a Navegação Aérea Internacional;
• Anexo 4 – Cartas Aeronáuticas;
• Anexo 5 – Unidades de Medida a Serem Usadas nas Operações Aéreas e Terrestres;
• Anexo 6 – Operação de Aeronaves;
• Anexo 7 – Marcas de Nacionalidade e de Matrícula de Aeronaves;
• Anexo 8 – Aeronavegabilidade;
• Anexo 9 – Facilitação;
• Anexo 10 – Telecomunicações Aeronáuticas;
• Anexo 11 – Serviços de Tráfego Aéreo;
• Anexo 12 – Busca e Salvamento;
• Anexo 13 – Investigação de Acidentes de Aviação;
• Anexo 14 – Aeródromos;
• Anexo 15 – Serviços de Informação Aeronáutica;
• Anexo 16 – Proteção ao Meio Ambiente;
• Anexo 17 – Segurança: Proteção da Aviação Civil Internacional Contra Atos de Interferência Ilícita;
• Anexo 18 – Transporte de Mercadorias Perigosas;
• Anexo 19 – Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional.

De maneira geral a OACI define acidente aeronáutico como toda ocorrência relacionada que tiver a utilização de uma aeronave, compreendido entre o momento em que uma pessoa nela embarca com a intenção de realizar um voo, até o momento que todas as pessoas desembarquem. No Brasil o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) é o órgão responsável pela investigação, seguindo critérios pré-definidos através da Norma do Sistema do Comando da Aeronáutica (NSCA) 3-13.

Air France voo 447: acidente no Atlântico

Air France voo 447: acidente no Atlântico

ELDER DELGADO - FORÇA AÉREA BRASILEIRA


A utilização dos resultados das investigações de acidentes aeronáuticos feitas pelo CENIPA, são formas de prevenir novas ocorrências, isto se faz por meios de recomendações de segurança, resultante da análise dos fatores envolvidos, não se procura por culpados e sim os fatores contribuintes para a ocorrência.

A investigação de ocorrência aeronáutica é uma ferramenta reativa de prevenção e  constantemente passa por novas abordagens.

Embora o CENIPA seja um órgão militar, a interação com a aviação civil em busca de um mesmo propósito é feita com muita seriedade e respeito, o principal palco para discussões e propostas de melhorias no sistema se dá por meio do Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CNPAA), que  reúne duas vezes por ano nas dependências do CENIPA empresas, escolas, associações, sindicatos entre outros.

Como exemplo recente de inovação, foi criada através do CNPAA a Comissão Nacional de Fadiga Humana (CNFH), com o propósito de apresentar uma metodologia para investigar a fadiga nas ocorrências. A primeira edição do guia para investigação da fadiga humana foi apresentada e aprovada pelo Comitê em 2017.

Entre os fatores levantados em uma investigação está a análise da fala, voz e linguagem dos pilotos, que podem apontar, por exemplo, se a fadiga dos pilotos seria um fator presente em alguma ocorrência.

A investigação do acidente com o ex-governador de Pernambuco e então candidato à Presidência, Eduardo Campos, ocorrida em 13 de agosto de 2014 em Santos (SP) foi a primeira a utilizar esta metodologia no Brasil. A fadiga foi citada como fator presente neste evento. Em paralelo, a lei 13.475 de 28 de agosto de 2017 na seção III Art. 19 descreve sobre o Sistema de gerenciamento de Risco de Fadiga Humana.

Outro exemplo de recomendação feita pelo CENIPA, são as obras de segurança no final das pistas 17R e 35L do Aeroporto de Congonhas, para instalação do Sistema de Parada de Aeronaves, que tem a sigla em inglês "EMAS". Estas recomendações foram feitas a mais de uma década e estão sendo executadas para atender também requisitos do Regulamento Brasileiros de Aviação Civil (RBAC) 154, conforme artigo publicado neste blog.

Destroços do acidente com Eduardo Campos

Destroços do acidente com Eduardo Campos

EDUARDO

Quando o CENIPA define que a ocorrência não se enquadra dentro um acidente ou incidente grave, a investigação pode ser delegada ao operador da aeronave. O objetivo é sempre o de prevenção de novos acidentes.

Em paralelo, as investigações do CENIPA, conforme prevê a Constituição da República, no artigo 109, inciso IX,  cabe à Justiça Federal processar e julgar os crimes cometidos a bordo de aeronaves e navios, salvo em casos de crime militar. Nesses casos, os acidentes aeronáuticos e náuticos civis são investigados pela Polícia Federal com acompanhamento do Ministério Publico Federal e julgados pela Justiça Federal.

Através do crescimento da aviação, o conhecimento por parte de outros profissionais que não sejam do meio aeronáutico se tornou necessário. A imprensa especializada pode se tornar uma excelente aliada para prevenção, assim como magistrados, policiais, promotores e todos  incluídos no processo.

Fonte:R7