Novo fluxo da Cracolândia traz transtornos ao comércio e moradores

 



Após o esvaziamento repentino da Cracolândia nesse fim de semana, a formação de um novo fluxo de tráfico de drogas a céu aberto e usuários na praça Princesa Isabel, região central de São Paulo, causa diversos transtornos aos moradores e ao comércio próximo do marco histórico. 

Segundo a Polícia Civil, centenas de usuários sumiram da região de onde o grupo ficava, próximo à Estação Júlio Prestes, por conta de uma ordem dos traficantes de drogas. Os investigadores acreditam que ações da prefeitura e operações policiais fizeram o fluxo antigo deixar de ser atrativo para o tráfico. 

Boa parte desses usuários está concentrada na praça Princesa Isabel, a cerca de 700 metros de distância. O espaço era utilizado por alguns deles como dormitório e em outros anos serviu de refúgio após megaoperações policiais.

Com a nova ocupação, algumas das pessoas que vivem pela região dizem que os problemas da antiga Cracolândia se intensificaram na praça: constante tensão por possíveis tumultos, pedestres com medo de assaltos e baixo movimento no comércio. 

"Está todo mundo desesperado aqui. Eu consegui em dois anos de pandemia não demitir nenhum funcionário e agora eu corro o risco de não sobreviver economicamente. Se não tirar o pessoal da praça urgente, para ontem, é o fim dessa região", relata um empresário, dono de restaurante próximo da praça, que não quis se identificar.

Já o vendedor Júlio de Oliveira afirma não ter sentido queda do número de clientes na loja de veículos automotivos onde trabalha, localizada na rua Helvétia. O estabelecimento, no entanto, está a 230 metros do fluxo, fora das ruas e avenidas que circundam a concentração da praça Princesa Isabel.

"Não dá pra fazermos uma análise nem prever muita coisa porque diversas vezes tentaram tirar as pessoas daqui e sempre voltaram", comenta.   

Além do comércio, a dispersão traz riscos sociais por ter reunido no mesmo espaço usuários de drogas, traficantes e famílias de pessoas em situação de rua. "É a face da crise habitacional, tem centenas de pessoas ali acampadas. E agora, além do acampamento tem o fluxo. (...) A presença do fluxo ali pode justificar uma ação violenta, de repressão, que vai impactar todas as pessoas que moram ali na praça", diz Aluízio Marino, doutor em gestão do território e integrante de um coletivo de ativistas da região.

Apesar da dinâmica arriscada, a Prefeitura de São Paulo comemorou o esvaziamento e alegou que o novo ponto de uso de drogas na praça não representa uma "nova Cracolândia", por ter muito menos usuários (cerca de cem) e não contar com o "atacado" de drogas característico do fluxo.

A jornalista Valéria Jurado, voluntária de assistência social na praça, discorda sobre o número de pessoas e a venda de drogas. Ela lembra do movimento na praça se modificar já a partir de janeiro, mas diz que a situação piorou drasticamente após a invasão do tráfico no final de semana. Agora, diz a jornalista, voluntários não podem mais entrar na concentração e têm que atender a população vulnerável nas bordas do espaço.

"Vai acontecer uma tragédia naquela praça, pode ter certeza. Saem umas brigas feias ali. Uma hora dessas vai ter algum crime, assassinato, porque sempre tem. (...) Sempre sai alguém morto lá de dentro [do fluxo] e isso vai começar a acontecer na praça", completa.

Ela ainda cita novas concentrações que têm ganhado corpo em diversos pontos próximos: no cruzamento entre a alameda Barão de Limeira e avenida São João, embaixo do viaduto Amaral Gurgel, na praça Marechal Deodoro e próximo ao metrô Armênia.