Pó do corretivo já chegou às salas de aula de crianças de 10 e 11 anos e preocupa pais e professores

 






Na nova moda da internet, os estudantes simulam a produção, venda e consumo de drogas com o pó feito a partir do corretivo líquido. A onda tem preocupado escolas, pais e médicos. "É um aviso importante de que algo precisa ser feito para que não se evolua para outras práticas", diz psiquiatra

Crianças cheirando pó de corretivo, como se fosse drogas | Foto: Reprodução/Tik Tok

De tempos em tempos, surgem as chamadas "trends" — modinhas que viralizam nas redes sociais. Algumas são inofensivas e até divertidas, como as dancinhas. Mas outras podem trazer consequências graves e até levar à morte, como é o caso do "desafio do apagão", "baleia azul", quebra-crânio, ou das esferas magnéticas, ambas já viraram motivos de alertas. As informações são da Revista Crescer.

Agora, a "onda" da vez é a "trend do corretivo", onde os estudantes usam o pó corretivo líquido para simular a produção e venda de drogas. "Eu fazendo isso todo dia KKKKKK", escreveu um estudante nos comentários. "Também faço (risos)", disse outro. "Os moleques lá da escola fazem também. Eu sou do 7°", disse mais um.

São diversos vídeos no Tik Tok | Foto: Reprodução/Tik Tok

São centenas de vídeos no Tik Tok, de diferente estados brasileiros, em que os alunos aparecem mostrando o passo a passo da "produção do pó", simulando o tráfico de drogas.

Pacotinho com o pó é vendido e passado de um para outro, simulando tráfico de drogas | Foto: Reprodução/Tik Tok 

O maior desafio é não ser flagrado pelos professores em sala de aula.

Aluno aparece escondendo o pó da professora | Foto: Reprodução/Tik Tok

Mas a brincadeira vai além da produção. Muitos têm, inclusive, cheirado o pó. Nesse vídeo, uma estudante faz um relato de uma das experiências em sua sala de aula.

Segundo menina, colega teria cheirado o corretivo | Foto: Reprodução/Tik Tok

Nos comentários, ela explicou o que aconteceu depois: "Então mano, eu jurava que ia dar ruim, sorte que não deu em nada. A mulher [professora] só pegou meu corretivo e levou o menino ao banheiro porque entrou corretivo no nariz", disse. "O pior é que entrou no nariz dele e ele ficou chorando com o olho vermelho", completou.

Um estudante comenta: "Eu não entendo esse negócio". E a mesma aluna responde: "É que na série Euphoria isso é considerado uma droga". Em seguida, outro comenta: "Na minha escola todo mundo tá fazendo. A polícia foi parar lá". Euphoria é uma série de TV norte-americana transmitida originalmente pela HBO, uma adaptação da série original israelense. A história acompanha um grupo de estudantes do ensino médio que vivem experiências com drogas, sexo, trauma e mídias sociais. "Na minha escola um monte já foi suspenso", contou uma. "Esse negócio do corretivo também tão vendendo lá na aula por 2 conto [reais] o pacote", disse mais um. "Eu cheirei na frente do meu professor e ele riu de mim", revelou um menino.

Estudante mostra, com orgulho, pote cheio de pó do corretivo | Foto: Reprodução/Tik Tok 

Não só adolescentes

O problema já chegou até as salas de aulas dos pequenos. A mãe de uma criança de 11 anos da Grande São Paulo, disse, em entrevista à CRESCER, que o trend do corretivo já foi visto na escola do filho. "A gente teve uma reunião de todos os sextos anos essa semana, e um pai comentou sobre um vídeo dos alunos fazendo o pó de corretivo, imitando aquela cena horrenda de utilização de drogas. Foi assim que fiquei sabendo que já estava na escola. Conversei com meu filho, expliquei que era algo que fazia muito mal, que se tratava de uma brincadeira sem graça e ele não deveria cair na onda de todo mundo", disse a mãe, que prefere não ter a identidade revelada.

"Segundo a diretora, os alunos estão vidrados no Tik Tok. Ela disse que se os pais querem fazer algo pelos filhos, que proíbam o uso do aplicativo. Alguns acharam um absurdo falar em proibição, outros concordaram. Mas o fato é que as coisas estão caminhando para um lado muito errado. Eu tenho muito medo, sim, justamente dessa curiosidade. É uma idade que temos que estar de olho e, infelizmente, alguns amigos acabam induzindo os outros a entrarem na onda, caso contrário, acaba criando aquela situação de bullying e de exclusão", refletiu.

"Nós, pais, cobramos e questionamos a escola. Os nomes dos alunos foram apontados e disseram que seria investigado. A partir do momento que o aluno está dentro da escola, a escola também tem que contribuir. Os pais, sozinhos, não conseguem descobrir o que está acontecendo. Por mais que a gente converse e explique, não sabemos o que eles conversam. A pandemia potencializou o uso da internet e agora temos que trabalhar da melhor forma para minimizar essas consequências", afirmou.

Risco de intoxicação

O otorrinolaringologista Manoel de Nóbrega, secretário do Departamento de Otorrinolaringologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), explica que na composição, o corretivo líquido possui dióxido de titânio, que é o que dá a coloração branca; o etanol, que funciona como solvente e faz a secagem rápida; os polímeros, que dão a consistência; e os dispersantes, para manter a mistura uniforme. "Então, o 'branquinho', quando inalado pelo nariz, causa irritação na mucosa, sensação de incômodo, dor e queimação. Pode causar ainda sangramento e, inclusive, até lesão no bulbo olfatório, que são as células responsáveis pelo olfato, levando a perda temporária ou mesmo permanente do olfato e, consequentemente, do paladar. Ainda há a possibilidade de causar ou exacerbar os quadros de rinite alérgica e, eventualmente, dependendo da quantidade, uma intoxicação. O nariz é muito efetivo em filtrar partículas, mas quando é inalada uma quantidade significativa de uma substância, a mesma pode chegar ao pulmão, causando uma pneomonia", alertou.

Em alguns vídeos, alunos aparecem cheirando o pó do corretivo líquido | Foto: Reprodução/Tik Tok

Caso a criança ou adolescente já tenha inalado a substância, o médico orienta a fazer, primeiramente, uma lavagem nasal. "A lavagem nasal com soro já ajuda na remoção de parte das partículas, mas, posteriormente, deve-se buscar atendimento médico", disse. E o especialista ainda faz uma provocação. "Como pais, devemos sempre nos perguntar: qual será o próximo desafio? Infelizmente, esse não é o primeiro e não será o último. Temos que refletir e, principalmente, estar sempre vigilantes. Nesse caso, crianças e adolescentes estão simulando o consumo de uma droga altamente letal, que é a cocaína. É a banalização de um vício, e um vício que mata. Quando não mata, destrói famílias, relações, cria dependências e eles não têm ideia dos riscos que estão correndo. Muitos, inclusive, podem achar que os efeitos da cocaína são semelhantes aos do 'branquinho'", afirmou.

"Precisamos repensar o papel dos aplicativos. Os vídeos só poderiam ser publicados por menores de idade com a autorização expressa dos pais. Se a legislação não mudar, crianças e adolescentes estarão sempre sendo vítimas desse tipo de ocorrência", completou.

O que diz o Tik Tok

Por meio da assessoria de imprensa, o aplicativo Tik Tok se pronunciou sobre o assunto: "O TikTok está comprometido com a segurança da nossa comunidade e removemos conteúdos e contas que violem nossas Diretrizes da Comunidade", disseram.