Cantareira pode chegar ao fim do período de seca com menos de 20% da capacidade de armazenamento

 




O período de estiagem, marcado por impactos na paisagem urbana e no clima, começou em maio. A previsão é que as chuvas fiquem abaixo da média nos próximos meses, o que acende um alerta para o nível dos mananciais. O Cantareira, o maior reservatório que atende à região metropolitana de São Paulo, pode chegar a setembro com menos de 20% da capacidade. 

A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) garante que não há risco de racionamento, mas destaca a necessidade de a população economizar água. 

O sistema Cantareira terminou abril com 44% da capacidade de armazenamento, o menor índice para o mês desde 2016, quando foram registrados 36,3%. No entanto, na mesma data do ano passado o manancial estava com 50,8% da capacidade.

Segundo boletim da Sabesp, em abril choveu 13,8 milímetros no Cantareira, mas a média esperada para o mês era de 83,2 milímetros.

Nesta sexta-feira (6), o Cantareira tem 43,8% da capacidade de reservação, o Alto Tietê, 64,1%, Guarapiranga, 86,7%, Cotia, 90,1%, Rio Grande, 102,9%, Rio Claro, 47,1%, e São Lourenço, 95,3%.

Para o diretor-presidente da Sabesp, Benedito Braga, a interligação entre os sete mananciais, que hoje têm, juntos, 59,6% da capacidade, traz segurança hídrica à população.

"O sistema metropolitano está na mesma situação do ano passado. Apesar de o Cantareira estar em uma situação mais complicada, outros reservatórios estão melhores do que estavam no passado. Estamos tranquilos, mas atentos porque será mais um inverno abaixo da média de chuvas", ressaltou.

De acordo com a meteorologista da Climatempo Desirée Brandt, o mês de maio será seco, com chuvas abaixo da média histórica no estado, o que agrava ainda mais o cenário durante o período de estiagem.

"No verão, quando a gente espera encher os reservatórios, não tivemos chuvas acima da média. Foi um verão fraco em chuvas, o que é preocupante. O primeiro trimestre de 2022 foi marcado por chuvas abaixo do esperado e vinha abaixo da média desde o fim da primavera e verão de 2021", explica.   

Uma década de seca

A população ainda não esqueceu a última crise hídrica, em 2014, com rodízio de água e uso do volume morto (reserva técnica abaixo do nível operacional) no Cantareira. Até hoje, o manancial não se recuperou plenamente porque são constantes as retiradas de água e não tem chovido em abundância.

O Cantareira foi construído na década de 1970, quando a realidade era outra. "Na época, havia outro regime de chuvas e o reservatório, que é o maior de todos, tinha níveis maiores [de armazenamento]. Vivemos dez anos de seca, com baixa vazão da água que chega ao Cantareira. Como ele é muito grande, a percentagem de água deixa preocupação, mas 44% é uma boa quantidade", defende Benedito Braga.   

Desde a crise de 2014, a população consome, em média, 12% a menos de água. Associado às transferências de água entre sistemas, isso permite nos colocar em uma situação confortável 

BENEDITO BRAGA, PRESIDENTE DA SABESP

Para a hidróloga e pesquisadora do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Luz Adriana Cuartas, o cenário inspira atenção.

"A situação é relativamente crítica: 44% é faixa de alerta. Quando olhamos 44% e comparamos com o ano passado, 51%, são 7% a menos de armazenamento no Cantareira. É preciso monitorar para saber como operar o sistema e evitar o racionamento. Desde 2014, o Cantareira não consegue se recuperar porque há demanda de retirada e tem chovido abaixo da média tanto na estação chuvosa quanto na seca", relata.

Gráfico mostra cenários de armazenamento no Cantareira dependendo da chuva

Gráfico mostra cenários de armazenamento no Cantareira dependendo da chuva

REPRODUÇÃO / CEMADEN

O Cemaden projetou cenários até o fim da estiagem, e nenhum deles é animador. Se nos próximos meses chover dentro da média, no fim da estação seca, em setembro, o Cantareira estará com 20% de armazenamento. 

Se chover 25% abaixo da média, o sistema chegará a 15% da capacidade e entrará na faixa de operação especial, com possibilidade de interferência da ANA (Agência Nacional de Águas). A agência passa a estabelecer os limites máximos de retirada de água do manancial. Caso chova 25% acima da média histórica, o Cantareira chegará a 27% de armazenamento no fim de setembro. 

"Em 30 de setembro de 2021, estávamos com 30,4% da capacidade. Mas neste ano não vamos chegar a isso, a não ser que haja um dilúvio. Houve investimentos em obras que pouparam um pouco o Cantareira. Ele abastecia 9 milhões de pessoas, hoje são 8 milhões", aponta a pesquisadora.

Interligação entre sistemas

A interligação entre os sete sistemas deu mais segurança hídrica ao abastecimento, mas cada um dos mananciais tem pesos diferentes na conta.

"O Cantareira e o Alto Tietê, o segundo maior, são capazes de 'salvar', mas os demais mananciais são pequenos e a capacidade de armazenamento também, o que não ajudaria muito. Sem falar que a região metropolitana de São Paulo tem uma densidade populacional imensa", pontua Luz Adriana Cuartas.

Segundo o presidente da Sabesp, o novo regime climático requer uma capacidade de armazenamento maior, mas, de acordo com ele, a companhia fez a lição de casa.

"A Sabesp investiu em infraestrutura e defende o uso racional de água. Desde a crise de 2014, a população mudou o hábito de consumo e consome hoje, em média, 12% menos. Isso, associado às transposições e transferências de água entre sistemas, permite nos colocar em uma situação confortável, e não há motivo para se preocupar neste momento", afirma.   

Com chuvas abaixo da média, Cantareira não consegue a plena recuperação desde 2014

Com chuvas abaixo da média, Cantareira não consegue a plena recuperação desde 2014

SEBASTIÃO MOREIRA/EFE - 01.11.2020

Regime de chuvas

O presidente da Sabesp afirmou que não há perspectiva de problemas de abastecimento em nenhum dos 375 municípios atendidos pela companhia. Segundo Benedito Braga, no ano passado houve racionamento em Franca, no interior paulista, mas foram feitas obras na cidade para prevenir problemas futuros.

Mas a previsão no estado de São Paulo é de poucas chuvas entre maio e setembro. Segundo a meteorologista da Climatempo, não basta a chegada de uma frente fria, é preciso que tenha chuvas suficientes. Por isso a situação se agrava no interior. 

"Na capital, chove por causa da influência marítima. No interior, o corredor de umidade vem da Amazônia e ele não está direcionado a São Paulo, por isso o tempo seco. Quando o meio do ano se aproxima, fica crítico em relação à duração da chuva, qualidade do ar ruim e aumento da poluição e queimadas", afirma Desirée Brandt.

A Sabesp deve agir nas perdas de água no sistema até chegar às casas, hoje em torno de 35% a 40%. É água tratada e se gastou dinheiro

LUZ ADRIANA CUARTAS, PESQUISADORA DO CEMADEN

Para que um manancial possa armazenar água, é necessário que chova o suficiente para, primeiro, encharcar o solo. Isso só é possível quando a chuva é volumosa, abrangente e duradoura para, então, o nível do reservatório subir.

"Não adianta chover pouco todos os dias ou bastante por poucos dias. Depende do tamanho do reservatório, da região, da época do ano e da temperatura. Temos que ter atenção com o Cantareira. Já tivemos situações mais graves, mas esta também não é de tranquilidade. A preocupação é com a previsão de chuva abaixo da média", ressalta a meteorologista.

Investimentos

Para abastecer a população, a Sabesp tem ido buscar água cada vez mais longe. Muitas vezes, em bacias vizinhas, o que requer uma logística enorme e investimentos de alto custo. Quando a água é captada em outro estado, a procura e o uso são ainda mais complicados: exigem estudos e autorizações da ANA.

A pesquisadora do Cemaden entende a importância dessas obras, mas defende a ideia de que sejam feitos investimentos para reduzir as perdas de água durante a distribuição na rede. 

"As ações ajudaram para que não houvesse o esgotamento do Cantareira, mas as obras são caras. É mais difícil e custoso trazer água de longe. A Sabesp deve agir nas perdas de água no sistema até chegar às casas, hoje em torno de 35% a 40%. É água tratada, e se gastou dinheiro para abastecimento", diz Luz Adriana Cuartas.

Bombas que extraem água no sistema Cantareira

Bombas que extraem água no sistema Cantareira

SABESP

A única obra da Sabesp prometida para 2022 está parada: a interligação do rio Itapanhaú, em Biritiba Mirim. O início da operação estava previsto para julho, com a expectativa de transferência de 2.000 litros por segundo do rio para o sistema Alto Tietê, mas problemas financeiros inviabilizaram os prazos.

O presidente da Sabesp evita citar datas: "Houve dificuldade com a empreiteira. A previsão de entrada é 2023. O consórcio teve dificuldades financeiras, e estamos negociando a continuidade da obra".   

A hidróloga do Cemaden lembra a importância de armazenar água da chuva como forma de economia. O recurso, que poderia ser usado na limpeza das casas, garagens, em jardins e nas descargas, é impróprio apenas para consumo humano.

"Investir em obras para acabar com as perdas na rede seria mais interessante do que buscar água mais longe. Com tecnologia, nada é inviável", ressalta Luz Adriana Cuartas.  

Fonte:R7