Internações involuntárias na Cracolândia podem aumentar; estratégia divide especialistas

 




A internação involuntária de usuários de droga na região da Cracolândia deve aumentar nas próximas semanas. De acordo com o secretário-executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, Alexis Vargas, o crescimento no número de pessoas internadas se deve à diminuição do "fluxo" de uso de drogas e da mudança de perfil dos usuários que permanecem no local. Ele é responsável pelo Programa Redenção, da prefeitura, projeto iniciado no governo Doria para as aglomerações de traficantes e usuários no centro de São Paulo.

"Muita gente já saiu e os que estão ficando, em geral, são casos muito mais complexos, difíceis, comprometidos e que têm menos vínculos familiares para sair de lá. A gente acha que, por esses motivos, tende a ter um aumento de internações involuntárias", afirma. 

Vargas ainda considera que, apesar das diversas mudanças do "fluxo" nos últimos meses e das reclamações de moradores da região central, o cenário tem melhorado na região. "A gente percebe que está tendo um aumento de procura das famílias. Está mais fácil achar as pessoas na Cracolândia, porque agora é muito menor do que era. Já não tem tanto uma presença ostensiva do crime organizado", relata. 

Uma semana depois da entrevista com o secretário, o Ministério Público de São Paulo concluiu que as internações realizadas pela prefeitura foram ilegais. O órgão afirma que deveria ter sido informado em até 72 horas sobre o local onde os internados ficariam, o que não ocorreu. Em resposta, a prefeitura disse que providenciaria o cadastro dos pacientes.

A política de internações involuntárias divide especialistas quanto à sua efetividade no contexto político e social dessa população de rua, que vive há décadas cercada da violência, tráfico de drogas e prostituição no centro de São Paulo. 

O consenso entre os entrevistados pelo R7 e a própria prefeitura é que a tática deve ser utilizada em último caso com o objetivo de desintoxicação. O sucesso depende de tratamento mental, condições dignas de moradia, trabalho — assistência que os especialistas consideram insuficiente por parte da prefeitura, sobretudo no caso dos usuários que saem da internação involuntária. 

Desde o mês de abril, 22 usuários de drogas foram levados para o Hospital da Bela Vista, na região central, para cumprir até 90 dias de internação involuntária. A ação foi iniciada dias depois de usuários e traficantes terem sido removidos da região da Luz para a praça Princesa Isabel, na região central.

Na chamada internação involuntária, o consentimento de um familiar e a assinatura de um médico são suficientes para a hospitalização. Caso o usuário não tenha familiares, um agente de saúde ou da assistência social pode consentir com o tratamento.

A internação compulsória é mais rara porque, além do laudo médico, depende de um pedido judicial para ser efetivada. Em sua cruzada contra a Cracolândia, o ex-prefeito João Doria chegou a tentar essa estratégia para recuperar os usuários, mas foi vetado pela Justiça de São Paulo

Estratégia em xeque

A política atual da administração é alvo de questionamento do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), que aponta falhas graves no tratamento dos usuários que chegam a essa condição. O órgão também afirma que a modalidade repete tentativas fracassadas de outros anos e que o número de pessoas no "fluxo" das drogas pouco mudou desde 2012.

A Defensoria Pública de São Paulo também enviou questionamentos à gestão municipal e ressaltou que na maior parte dos casos esse tipo de internação não é efetivo e que não existem alternativas de geração de renda e moradia para a pós-internação.  

O promotor Arthur Pinto Filho reitera a crítica ao afirmar que a legislação em vigor prevê a reinserção da pessoa que sai da internação como voluntária com a oferta de trabalho, moradia, renda, cultura e lazer, além de um acompanhamento individualizado na recuperação. "O que a prefeitura tem feito? Nada disso", afirma.

"A prefeitura cumpre a lei de forma capenga, cumpre só aquilo que lhe interessa, que é tirar o homem da rua e dar a sensação de que o fluxo diminuiu. A pessoa sai da internação involuntária e, evidentemente, vai voltar para o mesmo local que ela tem, que é a Cracolândia, o lugar que ela conhece, sem casa, sem nada."

A gestão Nunes rebate e afirma que o fluxo saiu de cerca de 4.000 pessoas em 2016 para pouco menos de 700 (entre esses, usuários e moradores de rua), que atualmente vivem em concentrações na rua Helvétia e na rua dos Gusmões. A administração afirma que oferece tratamento especializado, moradia e trabalho a todos os pacientes interessados que sigam as normas, através do acompanhamento em Siats (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica). 

As autoridades calculam que os atendimentos no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) em frente à praça Princesa Isabel aumentaram 35% de janeiro para maio de 2022. Nos Siats, os encaminhamentos saíram de 33 para 166 no período.  

A psicóloga Angélica Comis é outra que critica o aumento das internações involuntárias e a falta de reinserção social. "O que o poder público está fazendo em São Paulo é colocar a exceção como política pública, utilizando os próprios moradores das regiões afetadas como massa de manobra, e tudo isso em ano eleitoral", diz a profissional, que trabalhou na área no programa Braços Abertos, da gestão Haddad (PT), e no início do projeto Redenção, da gestão Doria (PSDB). 

"Vai acontecer igual aconteceu em 2017 [quando Doria iniciou um movimento de fortalecer as internações involuntárias]. Nós fomos fiscalizar esses hospitais psquiátricos com que o município tinha convênio, e o que a gente descobriu foi que essas pessoas ficavam internadas 90 dias e, quando saíam, tinham só um bilhete de metrô e voltavam para a rua." 

Já o médico psiquiatra Armando De Oliveira Neto acredita que a solução deve ser aplicada em ambientes como o da Cracolândia, considerando o nível avançado de degradação física e psicológica em que alguns dos frequentadores estão. 

"Quando o paciente perdeu a consciência, o julgamento e crítica, não se torna ciente de seus atos, torna-se obrigação do Estado assumir sua tutela, enquanto perdurar este estado psicopatológico. Não é questão de recomendação, mas, sim, de obrigação. (...) É ingênua a pretensão de atuação, nestas condições, fora de ambiente hospitalar", conclui.


Fonte:R7