Por:R7
“Já não podemos nem mesmo viajar em segurança. Não estamos seguros em lugar nenhum", escreveu Stefani Firmo, que teve seu rosto cortado enquanto dormia em uma viagem de ônibus, em suas redes sociais.
Se a sensação de insegurança é geral entre distintos perfis da população e regiões do Brasil, para a mulher ela representa um impacto muito mais contundente. É o que comprovam os números apresentados pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgada na última semana pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A pesquisa, que leva em conta dados de 2021, buscou entender como os brasileiros mudaram seu comportamento devido à insegurança, como o lazer ou o uso de transporte público.
Em todos os quesitos perguntados, as mulheres abandonaram mais as atividades que os homens, com destaque para chegar ou sair muito tarde de casa (63,6%), ir a caixas eletrônicos de rua à noite (57,2%) e usar o celular em locais públicos (57,6%).
Há homens, é claro, que também mudaram hábitos por não se sentirem seguros. Porém, em todos os casos, não passavam da metade dos respondentes do estudo.
“Esses dados mostram algo que já conhecemos há muito tempo: não como sensação de insegurança, mas como insegurança real vivida pelas mulheres”, afirma Soraia Mendes, professora e advogada especialista em direito das mulheres.
A jurista lembra o caso da estudante atacada dentro do ônibus e argumenta que as mulheres não estão seguras em lugar nenhum.
“Não estamos seguras dentro de um ônibus, como aquela menina, não estamos seguras dentro de casa, como os dados de feminicídio mostram, não estamos seguras nas ruas, como mostram casos de estupro”, considera.
Os dados não tratam exatamente de uma novidade, mas sim da confirmação de um fato conhecido, como explica Alice Bianchini, vice-presidente da ABMCJ (Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas) e conselheira de notório saber do CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher).
O espaço urbano é hostil para as mulheres, segundo Bianchini, que cita exemplos como serviços de carro de aplicativo voltados somente para o público feminino, a liberação em vários municípios para que elas desçam dos ônibus fora do ponto e o chamado vagão rosa em estações de metrô.
“A mobilidade das mulheres [na sociedade] é bastante tolhida, e, com ela, muitas oportunidades nos são retiradas. O medo é uma constante muito grande na vida das mulheres. Isso faz, por exemplo, com que algumas de nós não estudemos à noite, perdendo a oportunidade de fazer o curso que desejávamos. Igualmente restringe possibilidades de trabalho e, claro, de lazer”, esclarece a advogada.
Políticas voltadas à segurança, como policiamento e câmeras e iluminação em locais públicos, devem ser consideradas, segundo Soraia Mendes. Mas, prossegue, os problemas de gênero estão muito mais relacionados às políticas básicas na área da educação.
Para ela, a solução passa sobretudo por um “trabalho cotidiano com os meninos e com as meninas, as crianças, que precisam compreender que as relações devem ser outras, que a violência não pode ser o balizador da coexistência no mundo entre homens e mulheres”.
Alice Bianchini lembra também o número crescente de feminicídios no primeiro semestre de 2022. Há uma vítima a cada seis horas no país.
“Que, ao nos darmos conta dessa triste realidade, possamos nos envolver em um compromisso social em prol da efetivação dos direitos das mulheres. Conhecendo os dados, que eles nos causem indignação, pois só assim sairemos dessa inércia em relação a tema tão caro para a vida de metade da população (mulheres) e que causa um abalo para toda a família e a sociedade”, conclui.
A pesquisa do IBGE revelou, entre outros dados, que apenas 54,6% dos brasileiros se sentem seguros em sua cidade.
A divisão por regiões mostra que a sensação de insegurança é mais evidente no Norte: 44,3% se sentem seguros.
Entre os cenários urbano e rural, as populações do primeiro se sentem menos seguras (52,8%) que as do último (66,5%).
Quando a discussão se debruça sobre gênero, como a pesquisa comportamental indicava, a sensação de proteção nas cidades é maior entre os homens (54,6%) do que entre as mulheres (51,6%).