O projeto do chamado arcabouço fiscal, norma que define novas regras para as contas públicas do país, prevê que o orçamento destinado às despesas públicas cresça sempre acima da inflação e que o Executivo use pelo menos R$ 75 bilhões todo ano para fazer investimentos. Esses são alguns dos pontos do texto que foi oficialmente apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional nesta terça-feira (18).
Segundo o Ministério da Fazenda, o projeto do arcabouço propõe "uma regra fiscal sólida, confiável e ajustada à realidade do Brasil". Para a pasta, a norma, caso aprovada, "vai promover a recuperação do orçamento de políticas públicas essenciais" e "terá reflexos também na retomada da ancoragem das expectativas dos agentes de mercado em relação ao controle das contas públicas".
"O novo arcabouço fiscal permite a melhora da 'nota' de confiança que o Brasil tem no cenário econômico global, ou seja, pavimenta caminho para a recuperação do 'grau de investimento'. Isso ajuda a atrair empresas, a incentivar novos investimentos e, como consequência, gerar emprego e renda para os brasileiros", afirma a pasta.
O orçamento para os gastos públicos será definido de acordo com o crescimento das chamadas receitas primárias, obtidas a partir da arrecadação de impostos, taxas, contribuições e aluguéis. A proposta prevê que o governo amplie as despesas em até 70% do que for registrado de crescimento da receita nos 12 meses anteriores. Se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá aumentar até 1,4%, por exemplo.
Apesar disso, o arcabouço tem um segundo limite para a evolução das despesas, que foi definido tanto para estimular a economia em momentos de dificuldade quanto para impedir um descontrole das contas públicas em situações de fartura. Segundo a proposta, a ideia é que o governo gaste o que for suficiente para garantir crescimento real, isto é, acima da inflação.
De acordo com a Fazenda, quando a economia entrar em um ciclo recessivo, o crescimento real da despesa será corrigido no patamar mínimo de 0,6%. Já diante de um cenário em que a economia cresça demais, ampliando consequentemente o nível das receitas, a elevação dos gastos públicos vai ficar limitada a 2,5%.
A proposta entregue ao Congresso pelo governo teve uma alteração em relação à primeira versão do arcabouço apresentada pelo Executivo à imprensa, no fim de março. A versão inicial determinava metas de resultado primário até 2026. O indicador é obtido a partir da diferença entre o que é arrecadado e o que é gasto pelo governo, excluída a parcela referente aos juros da dívida pública.
As metas eram de zerar o déficit primário em 2024; superávit de 0,5% do PIB em 2025; e superávit de 1% do PIB em 2026. O projeto de lei enviado ao Parlamento, no entanto, define que as metas serão estabelecidas no texto do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que é formulado pelo governo todos os anos.
A proposta do arcabouço, por outro lado, manteve a previsão de que a meta de resultado primário passará a ser avaliada segundo uma margem de tolerância. Hoje, a meta é definida em valores reais.
De acordo com o projeto que será apresentado, para cada ano, o resultado primário terá de alcançar determinado percentual do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma dos bens e dos serviços produzidos no país.
Para que o governo cumpra a meta, o resultado pode ser 0,25% inferior ou 0,25% superior ao valor definido inicialmente. Confira abaixo o que ocorre com a realização ou a extrapolação:
• se o resultado primário não for cumprido: o aumento de despesas públicas fica limitado a 50% do crescimento da receita primária no exercício seguinte;
• se o resultado primário ultrapassar a meta: o governo poderá usar até R$ 25 bilhões do valor excedente em novos investimentos.
"Esse mecanismo auxilia o governo a lidar com a incerteza sobre os ciclos econômicos e mitiga o problema do contingenciamento de despesas ao longo da execução orçamentária, que tem comprometido a boa execução das políticas públicas", afirma o Ministério da Fazenda.
Apesar dos argumentos do governo, economistas afirmam que a regra não garante totalmente uma previsibilidade para as contas públicas, sobretudo pelo fato de as metas de resultado primário serem definidas pela LDO, como explica Zeina Latif, consultora econômica da Gibraltar.
“Isso enfraquece a ideia de previsibilidade da regra fiscal. A cada LDO será necessário analisar qual o patamar de superávit primário, qual é a meta e se ela é compatível com uma trajetória saudável da dívida pública. A implementação desse novo regime fiscal não será fácil. Todo ano o governo vai ter de discutir qual será a trajetória dos indicadores fiscais”, opina.
O professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Alberto Ajzental acrescenta que as estimativas de resultado primário para os próximos anos feitas por órgãos como o Banco Central e a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado que analisa as contas públicas do país, apontam para o déficit. Dessa forma, segundo ele, o arcabouço pode servir apenas para permitir que o governo crie despesas acima da inflação.
“Dificilmente a receita vai crescer e, assim, o superávit primário não vai acontecer. De todo modo, segundo as regras do projeto, o governo terá a garantia de aumentar os gastos públicos em pelo menos 0,6%.”
O economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, também diz que “a fragilidade do novo arcabouço, está, em parte, na trajetória de primário”. “Ela sempre poderá mudar, apesar de a meta do ano ter sempre o mecanismo de punição previsto já explicado. Esse problema se deve à dependência de receitas para produzir primário com rapidez”, explica.
Apesar disso, ele diz que o projeto apresentado pelo governo “fixa uma regra de crescimento de gasto transparente e simples e assinala o compromisso com a geração de superávits primários”. Para Salto, “a regra está longe da perfeição, mas é capaz de gerar melhores projeções de dívida/PIB”.
“Um alento. A regra de gastos, se cumprida ao longo dos anos, permitirá controlar o crescimento da dívida/PIB, produzindo trajetória mais benigna.”
Fonte:R7