Não é incomum, em rodas de conversa, presenciar relatos de que alguém está sem fome por causa da ansiedade, e ser rebatido por alguém que vive outro extremo, em que o apetite é aumentado devido a emoção.
"A sensação de fome tem raízes tanto biológicas quanto emocionais. O ato de comer não é apenas uma resposta a necessidades nutricionais, mas também está associado ao prazer e ao bem-estar emocional. Muitas vezes, as pessoas não conseguem distinguir entre a fome biológica genuína e a chamada 'fome hedônica', que é motivada pelo desejo de comer por motivos emocionais, como conforto, tédio ou estresse", explica a psiquiatra Julia Trindade, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Segundo a endocrinologista Thais Mussi, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, essas alterações no apetite se dão por alguns fatores por causa da interação entre o cérebro e o sistema digestivo.
Entre eles, estão:
• Resposta ao estresse — Em situações de ansiedade ou estresse, o corpo libera cortisol e adrenalina. Esses hormônios preparam o corpo para "lutar ou fugir", o que pode suprimir o apetite a curto prazo. No entanto, o cortisol prolongado também pode aumentar o apetite posteriormente, levando ao desejo de alimentos ricos em açúcar e gordura.
• Sistema nervoso — A ansiedade ativa o sistema nervoso simpático, que pode desviar o fluxo sanguíneo do sistema digestivo, afetando temporariamente o apetite.
• Neurotransmissores — A serotonina, um neurotransmissor responsável pelo humor, é em grande parte produzida no intestino e desempenha um papel na regulação do apetite. Falta de equilíbrio na serotonina pode afetar o humor e o apetite.
A ansiedade pode, ainda, causar outros efeitos digestivos, como dores estomacais e náuseas. A endocrinologista Paula Pires, da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), afirma que esses enjoos e essas dores estão associados à liberação do cortisol e da adrenalina.
Esses hormônios aumentam os movimentos digestivos e as contrações musculares, ocasionando as dores, ânsias e até mesmo diarreias.
A hipervigilância pode, também, fazer com que as dores sejam percebidas de forma mais intensa.
A ansiedade pode, ainda, elevar a produção dos ácidos estomacais, aumentando as dores.
"A respiração rápida e superficial, frequentemente associada à ansiedade, também pode levar a engolir ar em excesso, causando inchaço e distensão abdominal", completa.
As especialistas reforçam que qualquer nível de ansiedade pode afetar o apetite, variando conforme o organismo e o modo com que cada um enfrenta a situação.
Thais explica que o aumento de apetite está relacionado à ansiedade devido a interação de hormônios e neurotransmissores.
O cortisol, liberado em resposta ao estresse, pode aumentar o apetite com a exposição contínua à ansiedade, levando ao desejo por alimentos ricos em açúcar, gordura e sal, pois eles impulsionam a liberação de serotonina, promovendo uma sensação de bem-estar.
Além disso, alimentos palatáveis induzem a liberação de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer, ativando o sistema de recompensa cerebral.
"Assim, comer em excesso durante períodos de ansiedade pode ser uma tentativa de autorregulação emocional, utilizando a química cerebral para aliviar o desconforto."
A resposta ao estresse desencadeada pela ansiedade também pode levar à liberação de adrenalina. Como consequência há um aumento do metabolismo e da queima de calorias, resultando em mais fome para compensar esse gasto energético, complementa Paula.
Já a perda de apetite está ligada ao sentimento de "fuga ou luta", o que libera adrenalina e redireciona energia da digestão para funções vitais, suprimindo a fome. Ainda, a ativação do sistema nervoso simpático durante a ansiedade reduz o fluxo sanguíneo para o trato digestivo, o que pode diminuir o desejo de comer.
A psiquiatra esclarece que pessoas que têm o apetite afetado pela ansiedade apresentam maiores riscos de desenvolver distúrbios alimentares.
"Pessoas que perdem o apetite em situações de ansiedade podem estar em maior risco de desenvolver distúrbios alimentares, como anorexia nervosa, de acordo com pesquisas científicas. Embora a relação causal seja complexa e multifatorial, vários estudos preveem que a perda de apetite em resposta à ansiedade pode criar um cenário propício para o desenvolvimento desses distúrbios."
A anorexia nervosa é caracterizada pela restrição alimentar por causa da preocupação excessiva com o peso corporal, podendo ser influenciada por fatores emocionais, sociais e biológicos.
Essa diminuição do apetite associada à ansiedade pode contribuir para a adesão a comportamentos restritivos e a busca pelo controle por meio da comida, assim como o sentimento pode alterar e reforçar a percepção negativa da imagem.
"Por outro lado, a bulimia nervosa, marcada por episódios de compulsão alimentar seguidos de métodos para evitar o ganho de peso, também pode ter uma relação com a perda de apetite em situações ansiosas. A supressão do apetite durante a ansiedade pode levar a episódios de fome emocional, desencadeando a compulsão alimentar como uma forma de compensação", continua a psiquiatra.
Quanto ao aumento de apetite, Thais reforça que, pessoas ansiosas que têm essa reação são mais propensas a distúrbios associados à compulsão, como o TCAP (transtorno da compulsão alimentar periódica).
"Isso ocorre porque a alimentação pode ser usada como mecanismo de enfrentamento para lidar com emoções negativas. Com o tempo, esse comportamento pode se solidificar, levando a episódios de ingestão excessiva de alimentos, mesmo na ausência de fome, caracterizando um padrão compulsivo", alerta a endocrinologista.
A falta de controle dessa ansiedade pode trazer prejuízos à saúde e à qualidade de vida de quem enfrenta a sensação, podendo gerar problemas metabólicos, como diabetes tipo 2, obesidade ou perda de peso descontrolada, doenças cardíacas e distúrbios alimentares.
O diagnóstico da ansiedade é clínico. No entanto, o motivo da perda de peso deve levar em consideração outros problemas, como o hipertireoidismo, e outras questões psicológicas, assim como os transtornos alimentares.
Os tratamentos podem envolver acompanhamento psicoterapêutico, combinado ou não com o uso de medicamentos ansiolíticos ou antidepressivos, mudanças no estilo de vida e incentivo à prática de atividades físicas.
Fonte:R7