Covid: após cura, pacientes vivem pesadelo de sintomas persistentes

 



Depois de ser acometida duas vezes pela Covid-19, Gláucia Pereira, de 51 anos, depende hoje de um concentrador de oxigênio, aparelho para suplementação de oxigênio. Moradora de Uberlândia (MG), ela teve a doença em agosto do ano passado e uma reinfecção em julho deste ano. Após a reinfecção, que a levou a ser internada, passou a depender de concentradores e cilindros de oxigênio para complementar o fôlego. “Hoje eu estou presa. Minha vida deixou de existir. Parou. Tudo o que eu fazia antes, eu não faço mais. Sou dependente desse oxigênio”, afirma.

Gláucia está entre os brasileiros acometidos pelos sintomas persistentes da Covid-19 — que não são chamados de sequelas pela comunidade científica por não se saber se serão ou não permanentes. Após 21 meses de pandemia, o governo brasileiro ainda não sabe quantas pessoas convivem com a chamada "Covid longa", ou as condições pós-Covid. Somente no último dia 19, o Ministério da Saúde divulgou uma nota técnica (retificada no dia 24) com a orientação do código dos casos de pessoas com sintomas pós-Covid. A partir de agora, com o uso da nova codificação por parte das unidades de Saúde, o governo pretende mapear os casos.

Mesmo após a melhora da fase aguda da Covid-19, indivíduos que já foram infectados podem apresentar sintomas persistentes. Em alguns casos, os sintomas continuam desde o início da infecção, e não somem mais. Em outros, o sintoma some e retorna após 120 dias da infecção. Há, ainda, casos de sintomas diferentes daqueles observados no quadro agudo da doença, que também surgem a partir de quatro meses depois de o paciente ser curado da Covid-19.

Gláucia faz acompanhamento com dois pneumologistas e tratamento de fisioterapia pulmonar. Atualmente, ela está tomando remédios para tentar recuperar a autonomia pulmonar e deixar os complementos de oxigênio de lado.

Médica e pesquisadora do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Observatório Covid-19 BR, Verônica Coelho destaca que os sintomas persistentes não precisam ser os mesmos identificados pelo paciente na fase aguda da doença. De acordo com ela, a Covid longa será “um problema gravíssimo no Brasil e no mundo todo”.

“Vai levar a uma sobrecarga nos serviços de Saúde, SUS e privados, com uma legião de indivíduos precisando de ajuda e um processo patológico que a gente conhece pouco”, afirma. A pesquisadora explica que a ciência ainda está estudando os motivos e o que desencadeia a Covid longa. Os sintomas são os mais diversos: fadiga, perda de força muscular, perda de memória, insônia, problemas respiratórios, depressão, ansiedade, dificuldade cognitiva e queda de cabelo, por exemplo.

Moradora de Xanxerê (SC), Rosângela Ramos, de 37 anos, conta que, quando teve Covid-19, em novembro do ano passado, sentia dores como se "um caminhão tivesse passado por cima" de seu corpo. Ela tinha também febre, dor de garganta e dor no peito. Rosângela recuperou-se, mas, seis meses depois, passou a sentir um formigamento intenso nas mãos, pés e cabeça.

“Incomoda demais”, contou ao R7 enquanto aguardava atendimento em um hospital de sua cidade. Ela foi ao local para buscar algum remédio para ajudá-la a lidar com uma crise intensa de formigamento. Os médicos, segundo Rosângela, não sabem explicar. “Eles falam que é sequela, não dão muita bola. Alguns dizem que é permanente, outros que vai passar”, relatou. O incômodo é tamanho que Rosângela, que trabalhava como atendente em uma padaria, deixou o emprego.

Rosângela Ramos deixou emprego devido aos sintomas pós-Covid

Rosângela Ramos deixou emprego devido aos sintomas pós-Covid

REPRODUÇÃO/ARQUIVO PESSOAL

Coordenador do Projeto Pós-Covid da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o médico Arnaldo Santos Leite diz que as maiores queixas identificadas em sintomas pós-Covid são fraqueza muscular, cansaço, dor de cabeça, fadiga, falta de ar, perda de capacidade de concentração, perda de memória, ansiedade e depressão. “Não existe ainda um conhecimento exato de como ocorre esse tipo de lesão. Existem suspeitas de que estaria relacionado a um processo inflamatório. Mas são conjecturas”, explica.

O professor ressalta que o mundo ainda está em processo de aprendizado em relação à doença, mas que o paciente se recupera da maioria dos sintomas dentro de algumas semanas. Ao cuidar de uma pessoa com suspeita de Covid longa, segundo ele, a primeira ação é definir se os sintomas não são decorrentes de outras doenças. “Para afirmarmos que se trata de uma condição pós-Covid, a pessoa tem que ter tido Covid e descartar que [a condição] esteja relacionada a outras doenças”, diz.

Moradora de Duque de Caxias (RJ), Patrícia de Freitas, de 41 anos, teve um quadro grave de Covid-19. Ficou internada 97 dias — dos quais, mais de 60 em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Após melhorar, ficou em uma ala do hospital cujo foco era a recuperação motora, com fisioterapia diária e acompanhamento da traqueostomia feita quando foi intubada.

Patrícia Freitas passou 97 dias hospitalizada. Até hoje, sente cansaço

Patrícia Freitas passou 97 dias hospitalizada. Até hoje, sente cansaço

REPRODUÇÃO/ARQUIVO PESSOAL

Ainda assim, Patrícia saiu do hospital com dificuldade motora, queda de cabelo e perda de força muscular. "Não conseguia pegar uma faca", conta. Em casa, ela continuou fazendo os exercícios indicados pelos profissionais que a acompanharam. Apesar de uma ótima recuperação, como pontua, a auxiliar administrativa relata que ainda sente cansaço, em especial quando faz esforços físicos, como caminhar ou subir escadas.

Demanda reprimida

A demanda é grande no país, apesar da ausência de política pública nacional. A Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação criou um programa para os casos pós-Covid-19 ainda em junho do ano passado. A diretora Lúcia Willadino Braga afirma que, atualmente, 30% das admissões da rede já são de pacientes com os sintomas persistentes.

Braga frisa que o atendimento é diferenciado, com avaliação completa, e que os pacientes se recuperam muito bem. "É importante que as pessoas busquem tratamento. A recuperação espontânea é lenta", diz. Para ela, é essencial investir nos centros de reabilitação para cuidar das pessoas com sintomas persistentes da Covid-19.

Cansaço "fora do normal"

Em Valparaíso (SP), Daniele Cristina Bomfim Morbeck de Andrade Silva, de 31 anos, conta que se infectou com o coronavírus em outubro do ano passado, e os primeiros sintomas foram perda de olfato e paladar. Passados alguns meses, depois que já havia se curado da doença, Daniele diz que começou a sentir um cansaço "fora do normal", que perdura até hoje. Além disso, ela relata que, em determinados momentos, sente cheiro de podridão.

"Já fiz tomografia, não deu nada. Quase todo dia eu sinto dor de cabeça. Tem dia que dói tanto que eu deito e vou acordar só no dia seguinte. Não consigo fazer o serviço doméstico como eu fazia, coisas que eram rotineiras para mim tiveram que mudar. Não consigo nem ficar muito tempo em pé", afirma.

Daniele faz acompanhamento em um centro de fisioterapia e sente que melhorou, mas o cansaço permanece. "Depois da Covid que a minha vida mudou. Eu sinto muita fraqueza. Mas já melhorou. Algumas coisas eu consigo fazer", explica.

Sem política

O Ministério da Saúde não sabe quantos casos de "Covid longa" existem no paístampouco há uma política específica para acompanhar tais casos. A secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, explica que, após observar que parcela dos indivíduos que se recuperam da Covid-19 apresentam sintomas persistentes, a pasta agregou todas as secretarias e passou a trabalhar no sentido de construir uma política pública.

Neste momento, entretanto, não houve entendimento sobre a necessidade de uma política específica para acompanhar pacientes com condições pós-Covid. Segundo a diretora, o tratamento para essas pessoas é o mesmo de outras complicações já tratadas no SUS (Sistema Único de Saúde). De acordo com ela, a intenção é usar programas já existentes, estimulando os CERs (Centros Especializados em Reabilitação). “Não tem que diferenciar. Esse paciente está com complicação, mas não transmite a doença. Ele pode ser atendido com os outros”, afirma.

Fonte:R7