"Eu descobri um câncer de mama durante a minha gestação. Eu estava de seis meses e, em um exame solicitado pela obstetra, foi encontrado um nódulo. Ao realizar um ultrassom de mama, foi constatado o câncer, e o diagnóstico foi fechado aos sete meses de gravidez." O relato é da psicóloga Yara Zillig, de 37 anos.
Em 2022, Yara estava grávida de sua segunda filha, Alice, hoje com sete meses, quando, em junho, recebeu a notícia do câncer.
"Foi um choque. Ninguém está preparado para esse tipo de notícia e, naquele momento, eu só conseguia pensar se conseguiria sobreviver para cuidar dos meus filhos. O medo não foi nem por mim, foi por eles, tanto de sobrevivência, como de estar bem para cuidar deles", conta a psicóloga.
A descoberta do câncer na gravidez, assim como seu tratamento nesse período, é desafiador, classifica o oncologista Rodrigo Coutinho Mariano, da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Ele afirma que a incidência de tumores na gestação vai de acordo com a incidência feminina geral. Dessa forma, os mais comuns nessas mulheres são os de mama, colo de útero e gastrointestinais.
Embora alguns estudos afirmem a possibilidade de um aumento de cânceres de mama nesse período, Mariano alega ser paradoxal, visto que a gestação também protege, futuramente, do desenvolvimento desse tipo de neoplasia.
"Mulheres que nunca engravidaram têm uma chance maior de desenvolver câncer de mama. Isso porque elas ficam mais expostas ao ciclo ovulatório, quando há picos hormonais por tempo prolongado, aumentando tais chances. Fora da gestação, a mulher não fica exposta a esses picos, e na amamentação, eles são postergados. Assim, quanto menor a exposição aos ciclos, menores são as chances de câncer", explica o oncologista.
Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra, médico associado à Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), alega que as substâncias associadas aos fatores de crescimento das mamas fazem com que esse câncer tenha um crescimento acelerado e uma pior evolução.
Os médicos afirmam que, normalmente, os sinais não se diferem pelo período gestacional. Entretanto, devido à gravidez, no caso da mama, pelo seu aumento, Pupo afirma que a identificação palpável, assim como a mamografia, podem ser mais dificultosas. Além disso, o exame, não é recomendado naquele momento pela sua radiação.
"Quando ocorre no puerpério, é possível notar também uma diminuição na produção de leite, assim como a rejeição por parte do bebê pela mama afetada", alerta o ginecologista.
Mariano afirma que, com a descoberta, é preciso discutir com a gestante, família e médicos qual a melhor abordagem de tratamento, dentro das três maiores modalidades – cirurgia, radioterapia e tratamento sistêmico (quimioterapia, imunoterapia ou drogas-alvo).
Pupo explica que as primeiras 13 semanas, conhecidas como fase embrionária, é um período em que os órgãos e estruturas do feto se formam. Dessa forma, é um período crítico em relação à interferências externas, que podem vir a ocasionar um aborto.
No entanto, deve ser levado em consideração, primeiramente, o prognóstico materno, em qualquer fase da gravidez.
Já entre as 15 e 25 semanas, o ginecologista e obstetra afirma que trata-se do período mais seguro e ideal para realização de cirurgias e outros tratamentos. A depender do caso, o médico orienta que pode ser antecipado o nascimento do bebê, em condições favoráveis, de modo a oferecer menos riscos à criança e prosseguir com o tratamento da mãe.
"A radioterapia, no entanto, deve ser evitada durante toda a gestação, pelo alto potencial de malformações e efeitos deletérios ao feto. A cirurgia vai depender da localização do tumor. Já drogas-alvo e imunoterapia têm poucos estudos que nos dão a segurança de uso em qualquer momento da gravidez, enquanto as quimioterapias, já sabemos que devemos evitar esses tipos de drogas no primeiro trimestre gestacional, sendo mais seguro nos segundo e terceiro trimestres, com poucos impactos ao feto, sendo a última quimioterapia até três semanas anteriores ao parto", explica o oncologista.
Yara conta que seu tratamento foi realizado somente após o nascimento de sua filha. Embora a realização da cirurgia tenha sido cogitada ainda na gestação, assim como a quimioterapia, os médicos chegaram à conclusão de que não haveria a necessidade de expor a criança aos tratamentos, estando tão perto do nascimento.
Mariano alega que casos de descoberta de gravidez durante o tratamento oncológico são mais raros. Isso porque as drogas utilizadas costumam afetar a fertilidade, dificultando uma possível gestação. No entanto, a ocorrência não é impossível.
O ideal, segundo o médico, é que pacientes evitem uma gestação nos 12 meses subsequentes ao tratamento, inclusive pelos possíveis efeitos causadores de deficiências fetais. A abordagem, nesses casos deve ser discutida, inclusive quanto ao prosseguimento da gestação, devido aos riscos oferecidos à vida da mãe, assim como prosseguimento de tratamento.
O oncologista alega que após a gestação, as mulheres que estiverem fazendo tratamentos sistêmicos são orientadas a evitar a amamentação para que os medicamentos não sejam transmitidos aos bebês por meio do leite, com possíveis efeitos tóxicos. Depois de completo o tratamento, a amamentação é liberada.
"Cerca de 21 dias depois do nascimento da Alice, eu fiz minha primeira quimioterapia. Então, antes disso, consegui amamentá-la um pouquinho e aproveitei melhor esse tempo com ela. Depois do início do tratamento foi mais cansativo e não tive o puerpério, propriamente, porque tive que pensar muito no tratamento, mas tive muita ajuda do meu marido. Apesar disso, foi mais tranquilo do que eu imaginei", conta Yara.
A psicóloga concluiu os seis ciclos de quimiotarapia recomendados para seu caso e já fez a cirurgia para a retirada do tumor da mama afetada. Agora, ela deve iniciar o tratamento com radioterapia na segunda quinzena de maio, associado à imunoterapia, que deve continuar durante um ano.
Mariano explica que o fato da mulher ter um tumor, não necessariamente predispõe a criança à um câncer. Porém, mutações genéticas relacionadas, ou até mesmo as mutações que podem ser sofridas durante o tratamento, caso seja feito na mulher grávida, pode aumentar as chances do desencolvimento de carcinomas nesse filho.
Fonte:R7