Há exatos dez dias só consigo pensar em um cachorro que surgiu, surgiu mesmo, brotou na área de serviço de uma casa na zona norte de São Paulo. Na manhã do dia 18 de outubro, ele conseguiu entrar no imóvel que passa por reforma e está sem muro. Resido na mesma região e logo recebi um pedido de ajuda para divulgar as imagens do animal e localizar o tutor. Fui. Para facilitar o contato e captar imagens, levei comida. Ao oferecer ração, ele se levantou e consegui ver detalhes daquele corpo magro e marcado por pequenas escoriações. Aparentemente assustado, mas manso, estava esfomeado. No dia seguinte, além de ração, levei arroz e carne. Comeu até ficar satisfeito e recuou amedrontado mais uma vez. Observei aquele pitbull com a cara grande, orelhas em pé e com olhos tão expressivos e ao mesmo tempo com o olhar perdido - ele exalava um pedido urgente de socorro. A publicação nas redes sociais se espalhou.
A esperança de encontrar a família dele diminuiu quando me enviaram uma postagem do início do mês, mostrando o mesmo cão "perdido" pelas ruas de um outro bairro das redondezas...GRANDE indício de abandono. Fiz outra publicação pedindo por um adotante ou lar temporário - um local adequado.
Na sexta-feira logo cedo, com a bacia de comida preparada, recebo a informação de que ele havia ido embora. A sensação de impotência se misturou com tristeza e resolvi desabafar. Recebi muitas mensagens carinhosas e a partir dali já não conseguia mais reverter a vontade de reencontrá-lo. Chorei, rezei e pedi proteção. Passei o fim de semana inteiro de olhos ainda mais atentos nas ruas da região e nada.
Mais uma semana começou e no final da segunda-feira, assim que terminei minha participação no Jornal da Record, recebi uma mensagem. A Lilian me encaminhou essas imagens:
Pitbull perdido avistado na zona norte de SP
ARQUIVO PESSOALMinhas pernas bambearam e meu coração acelerou. Entrei em contato com o Elton, o moço que havia mandado a mensagem no grupo do qual a Lilian faz parte e pedi para que tentasse distrair o cachorro até a minha chegada. Deu certo! Cheguei, peguei espetinhos de carne no carrinho de comida bem em frente ao local e fui cheia de fé e dúvidas, afinal, eu ainda não tinha me aproximado tanto dele. O Elton estava a cachorrinha Malu, quando foi surpreendido pelo cachorrão dócil que queria brincar. Ele ligou para a esposa Michele para pedir "ajuda". Ela levou ração e juntos, distraíram o pitbull até a minha chegada.
O Elton segurou a Malu e atraiu o cachorro com a carne. Eu me aproximei e pensei que se ele me mordesse estaria espantando a chance de mudar o destino. Entre o receio e a vontade de dar certo, segurei uma pata dele enquanto a Michele conseguiu colocar a coleira no pescoço. Sucesso total!!! Nem acreditava naquele GRANDE reencontro. Apertei ele e lembro de ter agradecido a Deus e ao casal incrível - eles foram simplesmente fundamentais neste processo. Coloquei o cão no carro e o que fazer? Para onde levar??
Sorte ou benção, ou, sorte e benção, sempre confio que algo bom vai acontecer e dessa vez não foi diferente. Pedi ajuda para minha vizinha Patrícia e ela prontamente aceitou acolhê-lo no banheiro grande da garagem. A Patrícia tem 5 cachorros e é uma supermulher! Rotina ativa e movimentada que inclui o cuidado com o netinho Arthur, de 4 anos (Quando eu crescer eu quero ser exatamente assim igual a ela!). Ufa, a primeira noite estava garantida. No caminho, olhei para aquela criatura forte e ao mesmo tempo abatida no banco de trás e só consegui chamá-lo de GRANDÃO. Tenho certeza que ele entendeu perfeitamente que aquela movimentação era para salvá-lo. No caminho, ele deitou no banco e ficou de barriga para cima, parecendo se esfregar num misto de alívio e alegria.
Eu nunca tinha entrado na casa da Patrícia e de repente cheguei lá com um pitbull. O acomodamos no banheiro. Colocamos água, comida, colchonete e fui para minha casa. Mal dormi de preocupação e êxtase. Senti tanta gratidão que não sei nem explicar com palavras.
Grandão é dócil e apaixonante
ARQUIVO PESSOALNa terça-feira logo cedo o levei para tomar banho e ao veterinário. Era a primeira vez que conduzia um pitbull. Coloquei coleira de pescoço com uma plaquinha de identificação reserva que tenho do meu cachorro, peitoral e duas guias. Enrolei tudo na mão e no braço - meu braço parecia de múmia! Mesmo abatido, Grandão tem a metade do meu peso corporal e uma força significativa. Ele curtiu o banho, fechou os olhinhos e dormiu enquanto a veterinária colhia sangue e realizava os exames cardíacos. Marquei castração para o dia seguinte. Voltamos a casa da Patrícia. No carro, ele gosta de colocar o focinho e sentir o vento - cena simples que me encheu de ternura. Andando com ele percebi o quanto a raça é estigmatizada e temida. Após os compromissos voltei com o Grandão para a Patrícia e fui trabalhar. Na volta, mais uma visitinha e uma volta de 1,5 quilômetro.
Na quarta-feira o peguei para castração. O acompanhei até a anestesia fazer efeito. Fiz questão de ficar olhando para ele - focinho com nariz - queria que ele se certificasse que tinha alguém ali que ele voltaria a ver quando acordasse. Observar aquele tamanhão todo dormir tão rápido e a incerteza quanto os próximos dias me angustiou. A castração foi um sucesso e o deixei o dia todo no hospital. Saindo do trabalho o busquei e teve rabo abanando e festa. Voltamos para a Patrícia e andamos um pouquinho.
Na quinta-feira, alguns "interessados" na adoção apareceram. Foram alguns. Entre eles, uma pessoa que já tem um cão que fica sozinho o dia todo, sem gastar energia e que queria mais um cachorro (não preciso dizer que seria uma catástrofe juntar dois cães ativos e confiná-los, né?). Outro se apresentou como mestre de obras que viajava demais e que queria companhia (pedi imagens da casa onde ele pretendia cuidar do cachorro. Depois do meu pedido, o interessado sumiu). E por fim, Lucas, um moço que se apresentou com o sonho de ter um cão de porte grande, morando em apartamento e disposto a passear várias vezes ao dia , caso a adoção acontecesse. O enchi de perguntas das mais variadas e ele não hesitou em dizer que jamais abandonaria o Grandão e que o cão seguiria com ele para onde fosse. Marcamos o encontro para sábado de manhã.
No horário marcado, Lucas e a noiva Rebeca, apareceram e uma energia maravilhosa tomou o ambiente. Grandão que tem receio de homens, latiu no primeiro contato. Após alguns minutos, Lucas ofereceu banana para o Grandão e conquistou a confiança. Grandão levantou e foi cheirá-lo. Deitou ao seu lado e o brilho no olhar do Lucas aumentou ainda mais. Senti paz! Senti gratidão e muita felicidade. Uma família nova se formou bem ali diante dos nossos olhos. Lucas e Rebeca saíram de lá com o Grandão.
Cinco dias com esse pitbull me renderam preocupações, angústias, falta de tempo para dormir, pelos por todo o carro e roupas, bíceps maiores, prática de caminhadas noturnas, o descobrimento de várias pessoas amorosas, gargalhadas internas com o olhar "julgador e apavorado" de alguns que me observaram na condução dele e aprendi que pitbulls são simplesmente encantadores, apaixonantes e capazes de promover a melhora na vida de qualquer um que esteja disposto a entender as necessidades da raça - eles são pura massa magra de amor e energia!
A mudança em 5 dias: amor e ração salvam vidas!
ARQUIVO PESSOALGrandão, você é gigante na vontade de viver, na resiliência e no amor. Grandão, você em tão pouco tempo me desafiou tanto, me cativou tanto e mostrou que julgar pela aparência é a pior atitude que podemos tomar. Você deu aulas de como devemos enxergar com o coração as prioridades da vida.