Delegacia de costumes e prisão por 'vadiagem': como era a polícia de São Paulo

 




São Paulo chega aos 470 anos. Nasceu em 1554, por obra de Anchieta, o jesuíta das Canárias, e chega a 2024 com uma longa história, que transformou gradativamente a cidade em cosmopolita, atingiu auges e agora, a maior da América Latina, é a visível metrópole, repleta de grandes atrações e problemas.

Na longa viagem pelo túnel do tempo, encontramos as mais variadas situações, que incluíram as perseguições do ditador Getúlio Vargas, provocando a revolução constitucionalista de 1932 e nesse caminho criando várias facetas. É, entre outros, o caso da segurança pública.

Os nostálgicos tempos antigos provocam, em termos específicos de segurança, algumas saudades. Uma delas era a ausência de insegurança, a tranquilidade em andar pelas ruas e a inexistência de criminosos violentos.

Assim é que o medo dos velhos tempos girava muito em torno dos batedores de carteira, os chamados “punguistas”, cuja destreza era a arte de furtar carteiras (então hábito masculino levá-la no bolso traseiro das calças), agindo preferencialmente em ônibus lotados de passageiros.

Também ser aplicado o conto do vigário (um deles era a farsa do bilhete premiado) e sintetizar o que havia de mais grave nos furtos, ao contrário dos roubos que hoje imperam.

Uma outra sociedade, uma polícia diferente, outros costumes. Aliás, havia uma delegacia de costumes e a contravenção por “vadiagem” (recusar-se deliberadamente a trabalhar). Os suspeitos da época eram obrigados a esticar as mãos para policiais: se estivessem calejadas, demonstrava que trabalhava: se estivesse com as mãos lisas, era detido, supondo-se assim que todo trabalho teria que ser manual.

O poder de efetuar uma detenção era inacreditável aos olhos de hoje. Acontecia sem prova de nada, o mofo na cadeia era regulado sem preocupações por delegados de polícia. No caso das chamadas “averiguações”, o equivalente à prisão temporária se convertia em tempos sem fim.

Tanto que, no antigo Departamento de Investigações, havia uma gigantesca carceragem com permanentes calculados 700 presos, seguidos por um presídio na rua do Hipódromo exatamente para isso e ainda o Recolhimento Tiradentes, com outros 700 presos, em média.

Toda essa massa humana ficava totalmente à disposição do Departamento de Investigações, lugar onde os presos eram “trabalhados” – quer dizer, eram torturados, geralmente em paus-de-arara. Para contar ou confessar alguma coisa. Eles sabiam disso. Ficavam em fila. Chupavam limões para amenizar as dores.

Como era esse o costume policial generalizado, todo tipo de gatuno era obrigado a desfilar, todos os dias, numa espécie de passarela, observados por investigadores, que assistiam enquanto um narrador relatava com voz sonora o nome e apelido de cada um e ainda o tipo de furto que costumava praticar.

Os mais destros tinham os dedos quebrados a golpes de ferro, tornando-se incapazes de movimentar os dedos para a "punga". Nas abordagens, os policiais também exigiam a mostra de carteira do trabalho, que identificavam como sendo “a marrom”, cor documento.

Os homicídios não eram banalizados como hoje. Tanto que, nos dias de júri, o Tribunal tinha uma frequência enorme, por curiosos que desejavam ver os assassinos, como se o julgamento fosse uma sessão de cinema. Matar alguém era considerado um crime assustador. Hoje, na maioria dos julgamentos populares, tanto que se mata, os tribunais ficam às moscas.

Esse sistema era tão predominante que havia uma Central de Polícia, no Pátio do Colégio, para onde eram encaminhados todos os detidos e os delegados de plantão se deslocavam, se fosse o caso, para locais de crime. Nos dias de Carnaval, por exemplo, essa Central tinha dezenas de presos capturados por “vadiagem”. Eram soltos somente na Quarta-Feira de Cinzas, com uma multidão de curiosos à espera para assistir à constrangedora liberdade.

A Polícia das antigas era dupla: a então Força Pública, hoje Polícia Militar, e a Guarda Civil, atualmente com o acréscimo metropolitana. Numa viatura, o Fusca à época, ficavam juntos um soldado e um guarda. Era a Rádio Patrulha, chefiada durante muitos anos pelo delegado de polícia Paulo Pestana.

No ano de 1969, um decreto ditatorial unificou as duas polícias, que passou a se chamar Polícia Militar. Um de seus comandantes foi o general João Batista Figueiredo, mais tarde presidente da República nos chamados anos de chumbo.

Foram profundas as transformações da organização ao longo de todos esse tempo. A antiga Central de Polícia foi descentralizada em distritos policiais. Nasceram as especializações, exigências da constante evolução do crime.

Os ácidos da modernidade derreteram os antigos padrões de atuação. Os punguistas desapareceram. Os aplicadores de golpe passaram a ser estelionatários, cada vez mais aperfeiçoados. O Código Penal de 1940 virou cardápio criminal.

Hoje, São Paulo, cosmopolita, significa várias cidades numa só. Um pouco de Nova York, muita Bangladesh, uma porção de Washington, cenários interestaduais e internacionais.

Ao completar 470 anos, sua longa história é repleta de ensinamentos, bonitas e lamentáveis recordações. Non ducor, duco — diz o seu lema. Não sou conduzido, conduzo, como está no brasão da cidade. Da Nação seu carro-chefe, a São Paulo que não pode parar, como se dizia no passado, fica parada no trânsito nos horários de pico.

Sofre com o problema sem fim das desigualdades sociais, uma periferia carente com a ausência do Estado, o tormento das enchentes, uma Polícia que não consegue dar conta do serviço e um temor social pela brutalidade cada vez maior dos criminosos. Mas consegue ser amada e desejada pelo turismo atraente.

Cidade grande, paga o preço natural por isso, embora seja naturalmente pujante e símbolo de crescimento e potência econômica. É Sampa, a nossa Sampa, e nela aprendemos a crescer, conviver, evoluir e conquistar. Parabéns aos paulistanos!

Fonte:R7