Pouca inovação e competição da China: os problemas que ameaçam a Tesla no setor de carros elétricos

 



Uma semana depois que um incêndio criminoso em uma torre de alta tensão paralisou a produção da fábrica da Tesla próxima a Berlim, no dia cinco de março, Elon Musk, CEO da empresa, apareceu com um humor desafiador diante dos funcionários, em uma tenda gigante ao lado da montadora, e afirmou: "Eles não podem nos parar."

Cada vez mais, porém, existem sinais de que a Tesla talvez não seja tão imbatível quanto parecia: as vendas de carros não estão mais crescendo a um ritmo dinâmico; as montadoras chinesas e as marcas consolidadas, como a BMW e a Volkswagen, estão inundando o mercado com carros elétricos; e a Tesla tem demorado a lançar novos modelos em resposta à concorrência.

Os numerosos projetos de Musk, sua propensão a fazer declarações políticas que geram controvérsias e os ataques a pessoas de quem discorda têm levantado questões sobre seu foco na administração da Tesla. Wall Street está cada vez mais preocupada com a empresa: suas ações perderam um terço do valor este ano, mesmo com os principais índices atingindo recordes históricos. "Investir na Tesla sempre foi um investimento em Musk", disse Eric Talley, professor da Escola de Direito da Universidade Columbia especializado em direito corporativo, governança e finanças.

Em uma entrevista concedida ao ex-apresentador de televisão Don Lemon, transmitida on-line no dia 18, Musk minimizou a queda no preço das ações da empresa, alegando que faz parte do ciclo: "Elas sobem e descem, mas o que realmente importa é que estamos fabricando e oferecendo ótimos produtos."

A pausa de uma semana na produção da montadora em Grünheide, a segunda neste ano, foi só um contratempo passageiro. Mas a queda no preço das ações indica que os investidores estão reavaliando as perspectivas de longo prazo da Tesla e que não estão mais confiantes em que a empresa – que ainda vale mais do que qualquer outra do setor – um dia dominará a indústria.

Musk também pode levar os créditos por instigar as outras montadoras a dar mais atenção aos carros elétricos, ao demonstrar que eles podem ser práticos, rentáveis e divertidos. No ano passado, o Model Y, utilitário esportivo (SUV) da Tesla, foi o carro mais vendido entre todos os tipos no mundo inteiro. Mas desde seu lançamento, em 2020, a Tesla não fabricou nenhum veículo popular, enquanto montadoras chinesas como a BYD, a Saic e a Geely Auto estão lançando dezenas de novos modelos.

Segundo analistas, a Cybertruck da Tesla, picape futurista lançada no ano passado em quantidade limitada, pode ser atrativa para um grupo relativamente pequeno de compradores em razão de seu alto preço e do design não convencional. E embora a Tesla esteja trabalhando em um carro elétrico com valor estimado em cerca de US$ 25 mil, não é esperado que ele esteja disponível em grande quantidade antes de 2026. "Estou um pouco surpreso com o fato de que, até agora, nenhum outro modelo tenha sido lançado", afirmou Michael Lenox, professor de administração de empresas da Universidade da Virgínia, que estuda indústrias que passam por mudanças tecnológicas.

Diversas vezes, em resposta à demanda, a Tesla ajustou o preço dos veículos, reduzindo-o para impulsionar as vendas, e depois aumentando-o. De acordo com analistas, embora os cortes tenham ajudado a tornar os carros elétricos mais acessíveis, a estratégia vem corroendo os lucros da empresa e não tem contribuído muito para aumentar a receita. A medida também reduziu drasticamente o valor de revenda dos carros da Tesla, porque ninguém paga mais por um usado do que por um novo.

No X, antigo Twitter, Gary Black, sócio gestor do Future Fund – fundo de investimento de propriedade do governo da Austrália –, que tem mais de 400 mil seguidores na plataforma de propriedade de Musk, comentou que a estratégia ensina os potenciais compradores a "esperar por uma oferta". Embora Black seja otimista em relação à Tesla há muito tempo, recentemente o fundo vendeu algumas de suas ações na montadora.

A Tesla enfrenta uma competição particularmente intensa na China, o maior mercado automotivo do mundo, onde mais de um terço dos carros novos vendidos são elétricos. A BYD superou a Tesla nas vendas mundiais de veículos elétricos nos últimos três meses de 2023 com uma ampla gama de sedans, SUVs e subcompactos baratos. Seu modelo Seagull é vendido por menos de US$ 12 mil na China.

Mesmo depois dos cortes de preços da Tesla, os sedãs Model 3 e os SUVs Model Y produzidos em uma montadora em Xangai continuam bem mais caros do que muitos modelos chineses. As fabricantes europeias e chinesas também estão introduzindo novos veículos elétricos a um ritmo acelerado. De acordo com o HSBC, mais de 150 estarão disponíveis para venda até o fim do ano.

Ao mesmo tempo, a Tesla não está bem posicionada para competir no mercado de luxo porque seus carros não oferecem tanta comodidade quanto os fabricados por empresas como a BMW ou a Mercedes-Benz, observou John Helveston, professor assistente de gestão de engenharia da Universidade George Washington, que estudou os hábitos de compra de carros na China. "Lá, existem tantas opções excelentes que a Tesla fica no meio do caminho. É um carro com preço exagerado para o luxo que oferece."

A Tesla não informou aos investidores como vai recuperar terreno na China, onde gera a maior parte de suas vendas. A empresa não respondeu a um pedido de comentário.

"Qual vai ser a estratégia deles para continuar no mercado em 2024? A manobra do corte de preços já perdeu a eficácia", disse Tu Le, diretor administrativo da Sino Auto Insights, empresa de pesquisa.

O desprezo de Musk pela maneira tradicional de fazer as coisas e seu amor pelos grandes desafios de engenharia dificultaram que a Tesla lançasse novos produtos com agilidade, comentou Helveston. A Cybertruck é um exemplo disso. É feita de aço inoxidável, que é mais resistente à ferrugem do que o aço convencional, mas que é famoso por ser difícil de trabalhar. A picape chegou com dois anos de atraso e absorveu recursos que poderiam ter sido usados em produtos mais atrativos. "A Tesla poderia estar se saindo muito melhor se tivesse sido menos agressiva ao tentar fazer tudo novo e se tivesse usado metade do conhecimento que já existe e funciona", opinou ele.

Mas fazer coisas novas empolga Musk, que riu de alegria quando falou a Lemon da versão renovada do esportivo Roadster da Tesla, que, segundo ele, a empresa planeja lançar até o fim do ano. O veículo vai misturar as tecnologias da Tesla e da SpaceX, sua empresa de foguetes, "para criar algo que na verdade não é um carro", afirmou Musk.

Na Europa, o Model Y foi o automóvel elétrico mais vendido no ano passado. Mas a Volkswagen e suas marcas Audi, Skoda e Seat venderam juntas mais veículos elétricos do que a Tesla no continente, segundo a Schmidt Automotive Research, empresa de pesquisa automotiva. As vendas do Model Y caíram no fim do ano, depois que a Alemanha e outros países cortaram os subsídios.

A Tesla também poderá sofrer com as restrições que a União Europeia está considerando impor às importações chinesas. Todos os sedãs Model 3 vendidos na Europa e o Model Y com volante à direita para o Reino Unido são importados de Xangai. A montadora representa um em cada quatro carros fabricados na China importados para a Europa, de acordo com a Schmidt.

Deu a impressão de que a visita relâmpago de Musk a Grünheide foi programada para mostrar aos funcionários da Alemanha, alguns dos quais tinham expressado preocupação com sua segurança depois do incêndio criminoso, que ele continua comprometido com a empresa e com a fábrica – que produz cerca de 300 mil carros por ano, mas que tem como objetivo chegar a um milhão. Quando os repórteres perguntaram se pretendia manter esse plano, Musk respondeu: "Sim, com certeza."

c. 2024 The New York Times Company

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